quarta-feira, 20 de maio de 2009

A LENDA DO MONGE E DO PASSARINHO

Entre as lendas que a Idade Média nos legou, uma das mais belas é sem contestação aquela na qual se diz que certo monge rogava a Deus em instantes súplicas, que lhe desse em vida uma pequenina amostra dos gozos do paraíso. Eis senão quando um dia chegou aos seus ouvidos o canto dum passarinho, mas tão suave e melodioso que, no desejo de mais perto o ouvir, saiu do seu convento e foi prostrar-se junto do sítio onde a avezinha estava poisada. Sempre enlevado, ali se quedou algum tempo, segundo ele pensava, até que o alado cantor se afastou, dando fim aos seus trinados. O bom do monge voltou então ao cenóbio, mas grande foi a sua admiração, quando viu o exterior mudado, e maior ainda, ao saber do porteiro que nenhum dos seus antigos confrades lá estava. À vista da sua insistência em afirmar que poucas horas havia que dali saíra, perguntaram-lhe o nome do seu abade; foi então que, consultados os anais da casa, se reconheceu que trezentos anos se tinham passado entre a sua partida e chegada. Pouco tempo sobreviveu o santo homem à estranha aventura, voando o seu espírito de aí a pouco para o seio de Deus.[1]
[1] Existe uma Canção de Santa Maria, a 103.ª, de Afonso o Sábio, que conta esta lenda: “Como Santa Maria fez estar o monge trezentos anos ao canto da passarinha, porque lhe pedia que lhe mostrasse qual era o bem que avian os que eran en paraiso”.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tão impressionante o relato da lenda do monge. Leva-nos para um outro espaço/tempo e uma outra pergunta: "O que é o Tempo". E o tempo é tão só no "Paraíso" onde o monge se encontrou o não haver, de facto.
Muito bela e simples esta lenda medieva, mas tão "familiar" como o som fresco da água a correr pelas pedras do rio... Aí perder o Tempo, reinventá-lo. Iniciar: "in illo tempore". Aí nos encontramos face a face com o Sem Tempo e o Sem Nome, a Realidade primeira? Aparição ou Saudade?