quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Feliz Natal


A beleza, o mistério e o milagre do nascimento...

GRACIAS A LA VIDA

Prezados Amigos e Amigas leitores do EvoraOculta:
porque o Natal deverá ser antes de tudo um Hino à Vida,
à Liberdade, à Justiça e à Verdade,
é com muito sentido que vos desejo
os Votos de um Natal luminoso e inspirador de mais humanidade,
tal como nos cantou Violeta Parra no seu poema "Gracias a la Vida".
Que o Natal aconteça e permaneça no coração de todos nós...
Emanuel

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en el alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo.
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido y el abedecedario
Con él las palabras que pienso y declaro
Madre amigo hermano y luz alumbrando,
La ruta del alma del que estoy amando.
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la marcha de mis pies cansados
Con ellos anduve ciudades y charcos,
Playas y desiertos montañas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio.
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio el corazón que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano,
Cuando miro al bueno tan lejos del malo,
Cuando miro al fondo de tus ojos claros.
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto,
Así yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto
Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Y el canto de todos que es mi propio canto.
Gracias a la vida
Gracias a la vida
Gracias a la vida
Gracias a la vida.

Violeta Parra

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Janelas...


Universidade de Évora

A ARTE DE SER FELIZ

Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre
as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crinças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a
duas, como reflectidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega. Às
vezes um galo canta. Às vezes um
avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O Natal na Arte


Pintura de Álvaro Pires de Évora - Séc. XV

ALGUMAS TRADIÇÕES DO NATAL EBORENSE

Apesar da «normalização» das Tradições nos tempos que correm, as memórias das antigas tradições desta quadra festiva ainda dinamizam algumas práticas peculiares, tais como:
– A presença lúdica do Presépio com figurinhas de barro, que tradicionalmente era costume as famílias visitarem em algumas igrejas da cidade. Embora não dispensasse a sua construção nas próprias casas.
– Ainda em algumas aldeias do Alentejo – embora seja um costume de cariz comunitário hoje praticamente inexistente – os vizinhos juntam grande quantidade de lenha normalmente no adro da igreja paroquial, acompanhada por um grande madeiro, que fazem arder durante toda a noite de Natal, aí convivendo. Em algumas residências queimava-se igualmente um grande madeiro na lareira. Os restos do madeiro do Natal guardavam-se para posteriormente acender quando fizesse trovoadas, diz-se, como protecção...
– Ainda em muitas paróquias da Cidade se celebra a Missa do Galo, por volta da meia-noite, muito concorrida era a de S. Francisco devido ao facto de se iniciar a cerimónia com a enorme nave iluminada por pequenas lamparinas de azeite, provocando um efeito estético deslumbrante.
– É tradição comum a chamada consoada, missadela, missada ou missadura: reunião familiar após a Missa do Galo, ou por volta da meia-noite do dia 24 de Dezembro, em que as pessoas se juntam para cear, consistindo tradicionalmente a Ceia de Natal por diversas iguarias próprias da época festiva: peru assado, bacalhau cozido com couves, linguiça e febras de porco assadas, filhós, rabanadas, sonhos, nógado e arroz doce. A quantidade e a qualidade das iguarias da Ceia correspondiam proporcionalmente às disponibilidades dos ganhos de cada família…
– Após a Ceia e antes de irem dormir, as crianças iam colocar o sapatinho ou a meia à chaminé para que o Menino Jesus durante a noite viesse colocar as prendas. É pena que as «lógicas» modernas dos pais natais consumistas tenham destronado este costume tão simples e poético.
– Ainda ligadas com a quadra festiva, cantavam-se, principalmente nas aldeias e bairros limítrofes da cidade, com características rurais, as Janeiras e os Reis. Tradições hoje praticamente desaparecidas, com a excepção de um grupo de homens da aldeia de Torre de Coelheiros que, resistentemente, ainda persistem na saída à rua na noite de Reis a fim de cantarem e encantarem os residentes e os forasteiros que àquela aldeia se deslocam para usufruírem de uma memória viva.

Recordo alguns Natais de Évora rebuscados nas memórias da minha infância:

Natal de Évora I

O Menino está dormindo
Nas palhinhas, despidinho,
Os anjos lhe 'stão cantando:
Por amor, tão pobrezinho.

O Menino está dormindo
Nos braços da Virgem pura.
Os anjos lhe 'stão cantando:
Glória a Deus lá nas alturas.

O Menino está dormindo
Nos braços de São José,
Os anjos lhe 'stão cantando:
Glória tibi, Dominè.

O Menino está dormindo
Um sono de amor profundo
Os anjos lhe 'stão cantando:
Viva o salvador do mundo!


Natal de Évora II

Eu hei-de dar ao Menino
Uma fitinha pr’ó chapéu
Também ele me há-de dar
Um lugarzinho no Céu.

Olhei para o Céu
Estava estrelado
Vi o Deus Menino
Em palhas deitado

Em palhas deitado
Em palhas ‘quecido
Filho duma rosa e
Dum cravo nascido.

Arre burriquito
Vamos a Belém
Ver o Deus Menino
Qu’a Senhora tem

Qu’a Senhora tem,
Qu’a Senhora adora
Arre burriquito
Vamo-nos embora.


Natal de Évora III

Eu hei-de dar ó Menino
Uma fita, uma fita pr’ó chapéu
Também ele nos há-de dar
Um lugar, um lugarzinho no Céu.

Não façam bulha ao Deus Menino
Não o acordeis que está dormindo
Em vez d’O brindar com algum mimo
Dêem-lhe leite que é pequenino.

Eu hei-de dar ao Menino
Ao Menino, ao Menino hei-de dar
Camisinha de Bretanha
Nesta noite, nesta noite de Natal.


Rui Arimateia

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Sol, a Luz e o Ovo


Pintura de Vladimir Kush

CÂNTICO DO IRMÃO SOL

Altíssimo, omnipotente, bom Senhor,
a Ti pertencem os louvores, a glória, a honra e toda a bênção.
A Ti só, Altíssimo, se hão-de prestar
e nenhum homem é digno de pronunciar o Teu Nome.

Louvado sejas, ó meu Senhor, com todas as Tuas criaturas,
especialmente meu senhor o irmão sol
que faz o dia e nos dá a luz.
E ele é belo e radiante com grande esplendor;
de Ti, ó Altíssimo, nos traz a imagem.

Louvado sejas, ó meu Senhor, pela irmã lua e as estrelas;
no céu as formaste, claras e preciosas e belas.

Louvado sejas, ó meu Senhor, pelo irmão vento
e pelo ar e a nuvem e o sereno e todo o tempo
pelo qual sustentas as Tuas criaturas.

Louvado sejas, ó meu Senhor, pela irmã água
a qual é muito útil e humilde e preciosa e casta.

Louvado sejas, ó meu Senhor, pelo irmão fogo
pelo qual alumias a noite
e ele é belo e alegre e robusto e forte.

Louvado sejas, ó meu Senhor, por nossa irmã a mãe terra
que nos alimenta e governa
e produz variados frutos e flores coloridas e erva.

Louvado sejas, ó meu Senhor, pelos que perdoam, por amor de ti
e suportam enfermidade e tribulação.
Bem-aventurados aqueles que as sofrem em paz,
pois que por Ti, ó Altíssimo, serão coroados.

Louvado sejas, ó meu Senhor, por nossa irmã a morte corporal
da qual nenhum homem vivente pode escapar;
ai daqueles que morrerem em pecado mortal.
Bem-aventurados aqueles que se tiverem conformado com Tua santíssima Vontade,
porque a morte segunda lhes não fará mal.

Louvai e bendizei ao meu Senhor e dai-lhe graças
e servi-O com grande humildade.


S. Francisco de Assis

domingo, 20 de dezembro de 2009

Solstício


O Sol durante o solstício

NATAIS

Natal I

Olho as colheitas alegres cantadas
Nos fogos do solstício de S. João Baptista E sinto ceifas tristes choradas Até ao equinócio húmido das sementeiras.
Passaram.

Ficaram já não as lágrimas de dor indignadas Mas só os sorrisos libertos da esperança.
Ficaram flores plantadas nos horizontes abertos Com água cristalina já sem sal regadas.
Ficaram frutos
E ficaram palavras e sementes perpetuadas Pelo arado da Vida em sulco a germinar.
Ao desabrochar, nascendo, é absoluto o renascer e puro, Neste solstício do princípio do Verbo de S. João Evangelista, Em novo ciclo, em cadeia, do passado para o futuro, Em degrau superior, de grau em grau, Com outra visão, menos escuridão, Mais Luz, Mais Irmão!

J. Rodrigues Dias (2009-12-11)

Natal II

Olho a Luz no Oriente, expectante,
Onde aparece a Luz de Menino nascido,
Renascido pela Força da Estrela Flamejante!
Olho nela a Sabedoria dos que já partiram Na Beleza dos sorrisos que deixaram.
Olho e volto a olhar o Belo
E fico em Paz,
A olhar dentro de mim o teu infinito sorrir, A sentir a Cadeia de União contigo, Irmão!

J. Rodrigues Dias (2009-12-11)

sábado, 19 de dezembro de 2009

A Senhora desaparecida...


Imagem da ermida de S. Jordão - Évora

O SIMBOLISMO DO PRESÉPIO

Um dos mais ternos símbolos do Natal, celebramo-lo tradicionalmente no nosso País, na cidade ou nos campos, nas vilas ou nas aldeias: o Presépio. Apresenta-se-nos como uma dramatização simbólica de grande significado humano e espiritual.
Denominamos vulgarmente por Presépio (palavra de origem latina que significa "local onde se recolhe o gado") aquela representação lúdica da cena do nascimento do Menino Jesus, com todo um enquadramento poético e bucólico. Nomeadamente descrevendo a Presença do Menino, entre dois animais (vaca e burro) acompanhado de Sua Mãe e por José e, perante eles, pastores, anjos e Reis (Magos) a adorá-Lo e a oferecer-Lhe presentes.
Porém, mais do que um simples passatempo anualmente organizado, é esta uma representação de cariz espiritual, que vai tocar no mais fundo de quem ousar jogar, brincar aos Presépios, vai tocar o Símbolo do Natal - o Nascimento do Cristo em-devir. E para além de todo o aspecto lúdico de construir o Presépio (autêntica cosmologia), tal como num Jogo de Xadrez, movimentando nós as peças no tabuleiro branco-negro - que afinal poderá significar a vida do ser humano em todas as suas dicotomias e vicissitudes tais como o amor/ódio, o positivo/negativo, a vida/morte, o bem/mal... -, existem Realidades transformadoras e transformantes que nos têm sido transmitidas ao longo dos séculos.
O Presépio... eis-nos perante uma manifestação popular religiosa em que transparece uma ligação entre o homem e a terra... entre o oleiro (o barrista) e o barro.
O homem pegou num pedaço de barro e, paradigmaticamente, moldou-o à sua imagem e semelhança, deu-lhe as cores da Vida, transmitiu-lhe um significado simbólico.
Do barro animado foi gerada uma obra estética que, por sua vez, deu origem à representação do símbolo do Natal: o Nascimento de Jesus, o futuro Cristo, reformador de Religiões e Curador dos homens. O Mistério aconteceu... há dois mil anos, em finais de Dezembro, despontava o Sol na obscuridade do signo zodiacal do Capricórnio (de onde a Gruta, por analogia), nascendo no horizonte, no seio da Constelação da Virgem e encontrando-se no alto do firmamento a Constelação Orion com as três estrelas no centro - os Reis Magos... Eis a encenação astronómica do Natal que deu origem ao nascimento do Cristo Mítico, pois nos encontramos perante a dramatização de um Mito Solar.

Numa outra perspectiva, considerando como Cultura tudo aquilo que é susceptível de ligar os homens, então, o Presépio (o Mistério do Natal) é um acto, é uma manifestação cultural por excelência. Assim, todo o acto cultural é um acto criativo porque vai tocar o que de mais íntimo, o que de mais essencial permanece, quiçá inato, no homem. Através da Festa do Natal, através da dramatização multisecular do Presépio, esse íntimo, essa essência, é afinal a Criança que ultrapassa a realeza (pois reis lhe oferecem o Ouro), que está acima de qualquer sacerdote (pois é contemplada com incenso, por magos), e venceu a Morte (significando a oferta de Mirra, o conhecimento dos segredos da Imortalidade).
Por analogia, representando simbolicamente a tentativa do homem se renovar, se purificar, renascer anualmente, ciclicamente. Isto é, representando, festejando o nascimento do Homem Novo e, em última análise, a Renovação da Humanidade através do Nascimento de uma Criança, símbolo da Inocência, da Inofensividade, da Tolerância...
O Presépio é, afinal, a leitura e a interpretação popular, imbuídas de sentido estético particular, de um sentimento religioso emanado e veiculado através da evolução institucional (e por vezes ideológica) do Cristianismo. Constituem-no figuras com alma própria, aperfeiçoadas ao longo dos Séculos, permitindo uma apropriação vivida daqueles Mitos e Mistérios que, por sua vez teriam sido reintegrados pelo próprio Cristianismo. A sensibilidade espiritual dos Presépios conseguem transmitir ao longo de gerações toda uma Mística e toda uma Mitologia superiores que ainda hoje sobrevivem e são transmitidas.

Avancemos uma proposta de significação dos principais elementos simbólicos presentes no PRESÉPIO:

Presépio: palavra de origem latina que significa: "local onde se recolhe o gado". Na Tradição portuguesa: presépio ou lapinha (gruta).

Belém: significa literalmente a "Casa do Pão" [em hebraico, Beith-Lehem]; mas também poderá significar, através de uma interpretação simbólica baseada na Cabala judaica, a "Casa de Deus" [Beith-El].

Estábulo e manjedoura: símbolos da pobreza. Do corpo humano e do interior do corpo de onde Jesus nasceu. Os habitantes do Estábulo eram um boi e um burro. Símbolos da geração/fertilidade e da personalidade, respectivamente. Estábulo como símbolo do corpo humano, contendo dentro de si duas forças em permanente conflito: personalidade e sensualidade. Jesus, o Cristo, poderá todavia ser considerado um Iniciado nos Mistérios da Espiritualidade Universal, conseguindo transmutar em si próprio o boi e o burro, colocando-os ao seu serviço.

Estrela: este símbolo é reconhecido pelos Iniciados na Religião-Sabedoria dos Mistérios Antigos. É símbolo do Homem, feito á imagem e semelhança de Deus Criador (daí o aforismo Hermético: "O que está em cima é igual ao que está em baixo").

Os três Reis Magos: Melchior, Baltazar e Gaspar, segundo a Tradição, um Vermelho, um Branco e outro Preto, remetendo-nos eventualmente para interpretações alquímicas, de Construção da Obra... Conferiram/reconheceram no Menino Jesus um Salvador Espiritual da Humanidade, um Reformador dos Mistérios.

Ouro: significará simbolicamente que Jesus era Rei e possuía em si a luz dourada da Sabedoria.

Incenso: símbolo do Sacerdócio, da Verdadeira Religião (ou Religião da Verdade), do Coração e do Amor.

Mirra: Símbolo da Imortalidade. Era utilizada para embalsamar os corpos e preservá-los da corrupção e destruição.

Galo: símbolo solar por excelência. Anunciador da luz do dia.

Concluindo, o Presépio, com todo o seu sistema de símbolos, transmite, de forma poética e lúdica, realidades espirituais de suma importância, vivencial e humana. Talvez inventado por S. Francisco de Assis, para a mentalidade cristã medieva, por volta do século XIII, tem como figura central, como protagonista, o Menino, figura tão grata aos espirituais franciscanos ao longo dos tempos. A sua realidade fundamental é a da possibilidade, de facto, do Cristo vir-a-nascer na Humanidade em geral, no indivíduo em particular...

Rui Arimateia

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O Nascimento da Luz


Estrela Faria - pintura para postal de Natal dos CTT

O ESPÍRITO DO NATAL

«Ukko, o Grande Espírito, cuja moradia é em Yûmala (o Céu ou Paraíso),
escolhe como veículo a Virgem Mariatta para se encarnar por meio dela em Homem-Deus.
Ela concebe colhendo e comendo um baga vermelha (marja).
Repudiada pelos pais, dá nascimento a um "Filho imortal" numa manjedoura de um estábulo.»
in KALEVALA


Os Cristãos celebram, por alturas do Solstício de Inverno, a Festa chamada Natividade ou Natal, para comemorarem o nascimento de Jesus - o Cristo, o Salvador do Mundo. Festa religiosa tradicional que celebra a passagem do Sol pelo Solstício. Festa que sofreu diversificadas evoluções ao longo dos milénios, consoante os povos e as mentalidades que dela se apropriavam culturalmente.
Todavia, esta Festa foi instituída canonicamente tão-só a partir do século IV da nossa Era pelo Papa Júlio I. O costume da festa religiosa em finais de Dezembro tinha origens remotas, a Igreja de Roma apenas fez coincidir o nascimento de Jesus em 25 de Dezembro para, de certo modo, sacralizar os festejos pagãos pré-existentes, reformando toda a manifestação da Sabedoria-Sageza contida nos Antigos Mistérios.
A tradição do Natal, por conseguinte, não é apanágio exclusivo dos Cristãos, com a representação da Natividade do Menino Jesus, com o nascimento de um Menino-Rei de uma Virgem.
Já os antigos Druidas celtas celebravam o dia 25 de Dezembro com iluminações. Mitra, avatar oriundo da antiga Pérsia, nascia de uma Virgem neste mesmo dia, assim como Horus, uma das figuras da antiga trindade Egípcia. Igualmente, entre os Gregos nascia Baco e, entre os Fenícios, Adonis; na Índia temos também o exemplo de Agni...
Todos eles com o significado da representação ou manifestação do Deus-Sol entre a Humanidade. Todos eles personificações do ancestral Mito Solar Cósmico - que considerava o Sol como a Fonte inesgotável de toda a existência e o Símbolo, por excelência, do Ser Divino e origem de toda a criação, o Logos, a manifestação física do Verbo Inefável e Eterno -, todos eles festejavam o (re)nascimento do Astro após os longos meses de invernia. Era a vitória da Luz sobre as Trevas, era o nascimento do neófito para a luz, e foi exactamente no Solstício de Inverno que a Igreja Cristã fixou o nascimento do Restaurador das Iniciações...

No nosso País tempos houve em que se acendiam madeiros nos adros das igrejas - local sagrado e de culto do Deus Solar, pois Cristo está por demais identificado com o próprio Sol... Mas, são tempos passados, resistindo, esporadicamente, tão só uma ou outra reminiscência destes actos verdadeiramente comunitários, pois a lenha ou o madeiro era transportado para o local do sacrifício por todos os vizinhos.
Porém, hoje em dia, a preocupação real da generalidade das pessoas está direccionada para o consumismo que tão bem caracteriza a nossa sociedade moderna, livre e ocidental ... O Natal - totalmente profanizado, no sentido de ter sido esvaziado dos conteúdos que nos são oferecidos pelo Mito cosmogónico e pelo menino Jesus, símbolo de pureza e de pobreza, de partilha e de amor -, o Natal, fizemo-lo sinónimo de consumo, corporalizado pelo frenesim das compras das vésperas e das trocas de prendas, passando-o em lautos banquetes... Poderemos então, perguntarmo-nos: e o que resta para o Outro? - As prendas oferecêmo-las a nós próprios, nos banquetes devoramos muito mais do que o razoável, para não dizer do que necessitamos... E o Outro? E os Outros? E os milhões e milhões de outros que neste preciso momento necessitam desesperadamente nem que sejam umas pitadas daquele Espírito de Natal que sabemos qual é mas que não temos a coragem, nem a sensibilidade, nem a disponibilidade de assumir porque estamos demasiadamente ocupados em olhar o nosso umbigo... ao invés de escutarmos o Coração e de praticarmos o acto da Dádiva?!...

Ouçamos as palavras e o testemunho da parteira Zaquel, de Belém de Judá, descrevendo um episódio que terá acontecido há quase dois mil anos:

«(...) Naquele momento pararam todas as coisas, silenciosas e atemorizadas: os ventos deixaram de soprar; não se movia folha alguma nas árvores, nem se ouvia o ruído das águas; os rios ficaram imóveis e o mar sem agitação; calaram-se as nascentes das águas e cessou o eco de vozes humanas. Reinava (por toda a parte) um grande silêncio. Até os próprios povos abandonaram naquele momento o seu vertiginoso movimento. O curso das horas quase havia parado. Todas as coisas se tinham abismado no silêncio, atemorizadas e estupefactas. Nós (estávamos) esperando a chegada do Deus das alturas, a meta dos séculos.
Quando chegou, pois a hora, descobriu-se a virtude de Deus. E a donzela, que olhava fixamente o céu converteu-se (como) numa vinha [estátua branca], pois já avançava o cúmulo dos bens. E enquanto a luz jorrava, a donzela adorou Aquele a quem reconheceu haver ela própria dado à luz. O Menino resplandecia tal como o Sol. Estava limpissimo e era gratissimo à vista, pois só Ele apareceu como a paz que apazigua todo (o universo). À hora do nascimento ouviu-se a voz de muitos espíritos invisíveis que diziam a uma só voz: "Amén". E aquela luz multiplicou-se e obscureceu com o seu esplendor o fulgor do sol, ao mesmo tempo que esta gruta se viu inundada por uma intensa claridade e por um aroma suavissimo. Esta luz nasceu da mesma maneira que o orvalho desce do céu à terra. O seu aroma é mais penetrante que o perfume de todos os unguentos da terra.
Eu, por minha parte, fiquei cheia de assombro e de admiração e o medo apoderou-se de mim, pois tinha fixo o meu olhar no intenso resplendor que emanava a luz que tinha nascido. E esta luz foi-se pouco a pouco condensando e tomando a forma de um menino, até que apareceu um infante (tal) como costumam ser os homens ao nascer. Então eu tomei coragem: inclinei-me e toquei-o, levantei-o nas minhas mãos com grande reverência e enchi-me de espanto ao verificar que não estava minimamente manchado, mas que o seu corpo era nítido, como acontece com a orvalhada do Deus Altissimo; era ligeiro de peso e radiante ao olhar. E enquanto me surpreendia ao ver que não chorava, como costumam fazê-lo os recém-nascidos, e o fitava com grande atenção, dirigiu-me um suavissimo sorriso; depois, abrindo os olhos, fixou em mim um penetrante olhar e simultaneamente saiu da sua vista uma grande luz como se se tratasse de um relâmpago. (...).»
[in Liber de Infantia Salvatoris, Cod. Museu Britânico,Séc.IX?]

O Natal - Festa Cíclica que deveria inspirar os homens para que vivessem continuamente aquele estado de inocência e pureza que é a infância, que assumissem o regresso à Infância... Deste modo, a dramatização do Presépio - através da sua construção com as pequenas figuras de barro, com o musgo e todos os objectos que permanecem na nossa memória mais longínqua - deveria constituir uma oportunidade do homem reflectir o seu estar e o seu ser, autenticamente humanos, no mundo.

Não é demais reafirmar que a Festa do Natal é, acima de tudo, a Festa do Cristo, individualidade ímpar na Tradição Religiosa da Humanidade. Esta imensa Entidade que o cérebro humano não apreende na sua real dimensão, pertence ao domínio da intuição e do espírito, embora se manifeste pelo pensamento, pela emoção e pela sensação física. Daí que possamos eventualmente olhar essa Excelsa Figura em três dimensões (entre outras) diferentes, embora complementares: a dimensão Histórica, a Cósmica e a Mística.
O aspecto Histórico do Cristo está relacionado com aquele Menino Jesus que há cerca de dois mil anos nascia em Belém de Judá, na Palestina. Manifestação física e susceptível de ser verificada na história dos homens.
O aspecto Cósmico tem que ver com a manifestação do Cristo na Natureza, enquadrado astronomicamente (como atrás se viu) em todo o Universo. Cristo enquanto representante de um Logos-Solar (conceito que eventualmente pode ser traduzido por Deus, por Todo...) num Cosmos manifestado e sensível, tal como o vemos, o sentimos, o compreendemos.
O terceiro aspecto, quiçá o mais humano e simultaneamente o mais profundo, terá que ver com a faceta Mística do Cristo, relacionada com o tal Menino passível de ser-nascido no Coração ou na Gruta de todo o ser humano, nas profundidades de todo o indivíduo.
No entanto, para ser apreendida, intuída, na sua profundidade religiosa (de re-ligare), terá que ser vivida, por cada um de nós, interiormente e em liberdade. Primeiro porque é a vivência interior de um Símbolo que poderá vir a conferir a capacidade criadora e transformadora de nós próprios. Segundo, em liberdade, pois não transformemos essa Mensagem em dogma instituído, em prisão de nós próprios, ou em meia verdade, ou em autoridade repressiva... o Cristo é realmente um Ser livre - no grande sentido espiritual do termo - e de uma interioridade tal, conseguindo que a Sua chamazinha interior se transformasse num foco, num fogo radioso de luz ígnea, num autêntico Sol vivificador de Universos, de Indivíduos...

Mas, poderemos, novamente perguntar, que significado terá, hoje em dia, o Presépio e o Natal? Qual o modo, pelo qual, o homem vive essa realidade e essa época festivas? Encontrar-se-á atento à Mensagem subjacente, às perenes e inefáveis Realidades transmitidas!? E os pais-natais, personificando símbolos de puro consumismo, e anti-pedagógicas porque alienantes, quais os seus papéis na dramatização espiritual do Natal e do Presépio?
O Espírito do Natal, através das suas muitas e diversas manifestações tradicionais, da aldeia ou da cidade - o Presépio, o Madeiro, a Missa do Galo, a Consoada e a Missadura -, só fará humanamente sentido se estiver consolidado com valores autenticamente fraternais onde a partilha e a disponibilidade prevaleçam e o Humano se torne mais Solar, mais divino...
Atentemos, para terminar, nas palavras inspiradoras de Rabindranath Tagore quando afirma que «cada vez que nasce uma criança é sinal de que Deus ainda confia nos Homens.».


Rui Arimateia

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O Menino entre as Flores


QUADRAS AO MENINO JESUS

Qualquer filho de homem pobre
Nasce num céu de cortinas.
Só tu, Menino Jesus,
Nasceste numas palhinhas.
a)

Ó meu Menino Jesus
Ó meu menino tão belo,
Logo Vós foste nascer
Na noite do caramelo!
b)

O Menino chora, chora,
Chora com muita rezão:
Fizeram-le a cama curta,
‘Tá c'os pézinhos no chão.
a)

José, embana o Menino,
Com a mão e não com o pé;
Esse Menino que embanas
É Jesus de Nazaré.
b)

Esta noite, à meia noite,
Ouvi cantar ao Divino;
Era a virgem Maria
Que embalava o seu Menino.
b)

O Menino chora, chora,
Chora pelos calçõezinhos.
Calai-vos, ó mê Menino
Faltam-le os botõezinhos.
a)

Cantai, anjos, ao Menino,
Que a senhora logo vem:
Foi lavá-los cueirinhos
À ribeira de Belém.
b)

Ó mê Menino Jasus,
Qu'é da tua camisinha?
Tá lá fora na ribeira
Em cima duma pedrinha.
a)

Pastor do gado branco,
Não arranques o rosmaninho,
Pois é onde a Virgem Pura
Estende os cueirinhos.
a)

- Ó meu amado Menino
Quem Vos deu o fato verde?
- Foi uma moça donzela
Duma doença que teve. b)

- Ó meu menino Jesus
Quem vos deu? Porque chorais?
- Deram-me as moças da fonte;
Não hei-de tornar lá mais.
b)

Ó mê Menino Jasus,
Quem vos pudera valer,
com sopinhas da panela
Sem a vossa Mãe saber!
b)

Ó mê Menino Jasus,
Boquinha de requêjão:
Quem vo-la comera toda
C'um bocadinho de pão.
a)

Ó mê Menino Jasus
Da Lapa do coração,
Dai-me da vossa merenda,
Que a minha mãe não tem pão. b)

Ó meu amado Menino,
Boquinha de marmelada,
Dai-me da vossa merenda,
Que a minha mãe não tem nada.
b)

Ó mê Menino Jasus,
Quem te deu essa boleta?
Foi a minha avó Sant'Ana
Qu'a tinha lá na gaveta.
a)

Olha o Deus Menino,
Nas palhinhas deitado,
A comer pão e toicinho
Todo besuntado!
c)

Notas:
a) Recolha de M. Inácio Pestana in Etnologia do Natal Alentejano, Edição da Assembleia Distrital, Portalegre, 1978.

b) Recolha de J. Leite de Vasconcellos in Cancioneiro Popular Português, vol. III, Acta Universitatis Conimbrigensis, Coimbra, 1983.

c) Recolha de Hernâni Matos, Estremoz, 1960.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Mãos criadoras


A. Rodin "A Catedral"

LIBERDADE

Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco de cada dia
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
de meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade

Paul Éluard
(Trad. Carlos Drumont de Andrade
e Manuel Bandeira)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Mãe de Meninos


NUM MEIO-DIA DE FIM DE PRIMAVERA

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas...
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou
–«Se é que ele as criou, do que duvido»
–«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.»
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

Alberto Caeiro Fernando Pessoa

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A Anunciação


8 DE DEZEMBRO

o menino é um recém-chegado de outros mundos.
anunciador de uma distância íntima. de onde nascer
é revelar

sinal de uma viagem a um viver separado.

memória. vaga memória. de brisas além da terra
em mares de aprofundar.

ele é o Anjo enviado de nossos reinos secretos. a este
mundo de fora onde depois da infância nos encontrámos
habitando. sem saber de outro lugar.

mas o menino é de longe. a Boa Nova soada de praias
além do mar.

rosto voltado aos cantos da distância.
olhos despertos ao acenar do longe.

de onde vieste e ainda lembras sem saber lembrar?

eco de mundos de silêncio o teu silêncio. menino
de silêncio olhando.
presença de um Real chamando.
além das vozes. das coisas. e dos gestos.


Beatriz S. Branco, 1969

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Um menino... como o Outro


A ORIGEM DO NATAL

"Nascimento do Deus Sol Invencível" era o tema da grande festividade romana que comemorava o solstício de inverno no dia 25 de Dezembro. Outras celebrações, como a “Saturnália”, em honra ao deus Saturno, tomavam conta da Europa neste mês, entre 17 e 22 de Dezembro, ainda no século 3 d.C. Em momentos simultâneos da história, cristãos comemoravam as diferentes etapas da vida de Cristo, buscando testemunhos do dia exacto de seu nascimento, enquanto pagãos celebravam a chegada da luz e dos dias mais longos ao fim do inverno. Foi somente no ano de 354 d.C que o Papa Libério, querendo cristianizar as festividades pagãs entre os vários povos europeus, instituiu oficialmente a celebração do Natal - a data de nascimento de Jesus.

A palavra Natal deriva do latim Natale - escrita com a inicial maiúscula quando se refere ao nascimento de Jesus, cujo aniversário teria sido escolhido, segundo boa parte dos estudiosos, para coincidir com a festividade romana do deus Sol. À festa de raízes pagãs foi conferida uma nova linguagem cristã, da mesma forma que alusões ao simbolismo de Cristo como o “sol da justiça” (Malaquias 4:2) e a “luz do mundo” (João 8:12) expressam o sincretismo religioso desta data. Hoje, junto com a Páscoa, o Natal é a celebração mais significativa para a Igreja Católica e cristã em geral, ao mesmo tempo em que é encarado universalmente por vários credos como sendo o dia da reunião da família, da solidariedade e da fraternidade entre as pessoas. No Brasil, as celebrações natalinas já ocorriam com a presença dos jesuítas, no século 16, e eram marcadas por uma festa religiosa tradicional, com a missa do galo, o jantar em família e a montagem de presépios como os momentos mais importantes.

A distribuição de presentes, o Pai Natal ou a árvore natalina seriam introduzidas só nos fins do século 18 no país, quando a festa começa a ser associada à infância. Principalmente após a 1ª guerra mundial (1914) fixam-se os costumes de distribuição de presentes a crianças carentes, mas é provável que famílias de elite e de classe média tenham iniciado as comemorações como as conhecemos hoje antes disso, pelo contacto com países industrializados e protestantes.

De celebração de uma simples missa, o Natal foi substituindo várias festividades em diversos países e passou a incluir um infinito número de tradições. Com o individualismo característico da Reforma Protestante tornou-se uma forma de movimentar a troca de mercadorias e o capitalismo. Também a figura do Pai Natal, calcada em São Nicolau (ver Tradições Natalinas) incorporou práticas do paganismo nórdico. Daí as imagens de neve associadas ao evento e à árvore de Natal .


Prof. Henrique José de Souza

domingo, 6 de dezembro de 2009

Presépio



David 2003

O SIMBOLISMO DO NATAL

Um dos mais belos e significativos acontecimentos do ano é, sem dúvida alguma, o Natal. O mundo cristão comemora nesta data o nascimento de Jesus, o Cristo. Aquele que os cristãos consideram o Salvador do Mundo e que os verdadeiros Teósofos e Ocultistas reconhecem, além do mais, como a manifestação cíclica do Espírito de Verdade, ou seja, como um Avatara Divino. Nessa data, plena de encantamento e de amor, as famílias cristãs se congregam em reuniões as mais íntimas e santas para cultuarem no recesso de seus lares o simbolismo do Natal.
Na noite de 24 para 25 de Dezembro, conhecida há perto de vinte séculos como a Noite de Natal, comemora-se em todo o mundo cristão o nascimento do Menino-Deus, com as manifestações do maior regozijo e da mais pura devoção. Pai-Natal faz nessa noite sua visita tradicional aos petizes, deixando-lhes uma lembrança no sapatinho posto à beira da cama. Nos lares, engalanados com enfeites multicores, há o Presépio e a Árvore de Natal. Desse modo, ano após ano, de uma forma inconsciente e agradável, é transmitida de geração a geração uma tradição extraordinariamente bela, cuja origem se perde na noite dos tempos, anterior mesmo ao advento do Cristianismo.
O simbolismo do Natal oculta transcendentes mistérios. À luz dos conhecimentos eubióticos, procuraremos levantar uma pontinha do denso véu que encobre, aos olhos profanos, tais excelsitudes.
Diz a tradição que o Anjo Gabriel apareceu à Virgem Maria e Lhe anunciou o nascimento do Filho de Deus.
As religiões de todos os povos possuem as suas Virgens-Mães, Marias ou Mayas que são: Adha-nari, a brâmane; Ísis, a egípcia; Astaroth, a hebraica; Astarté, a síria; Afrodite, a grega; Vesta, a romana; Herta, dos germanos; Ina, da Oceania; Isa, a japonesa; Ching-Mu, a chinesa, e muitas outras, inclusive a que o nosso tupi denomina de Jaci, "a mãe dos frutos", etc., pois como é sabido, Maria provém de Mare – o Mar – simbolicamente "a grande ilusão". Entre os iorubanos da África, Iemanjá, o orixá feminino, é a mãe d'água ou o próprio mar divinizado, equivalente no seu culto àquilo que em tais religiões simboliza a Virgem Mãe, Ísis, a Lua, desde que Osíris representa o Sol.
Os egípcios acreditavam que o pequeno Hórus era filho de Osireth e de Oset, cujas almas se transformaram respectivamente nas do Sol e da Lua, depois da morte desses personagens.
Os antigos israelitas, muito antes da nossa Era, chamavam a rainha do céu (ou "Regina Coeli") de Mênia, donde se derivou Neomênia (Nova Lua), que vem a ser a mesma Maria (em seus diversos nomes), mãe de Deus encarnado, nos vários cultos religiosos.
Quanto ao lugar do nascimento do Menino Jesus, diz a Igreja que ele se deu em Belém, cidade da Palestina, tendo sido a criança recém nascida colocada numa manjedoura. A palavra Belém é formada de duas letras hebraicas, Beth e Aleph, significando cabalisticamente a Casa de Deus ou Templo de Deus. Este é também o significado da palavra Apta, muitíssimo mais antiga, pois provém da submersa Atlântida, tendo sido o nome de sua oitava cidade, a Shamballah ou "Região dos Deuses", que mantinha a espiritualidade entre as demais cidades que se podem interpretar também como províncias ou países, governadas pelos "Sete Reis de Edom", Reis que eram na Terra as expressões humanas dos Sete Dhyans-Choans. Seria supérfluo assinalar a identidade de sentido entre Edom e Eden, o bíblico Paraíso terrestre.
APTA tem ainda o significado de "creche ", manjedoura , presépio e também "O lugar onde nasce o Sol". O simbolismo do presépio é uma cópia fiel do que existe nos ritos bramânicos, além de outros. Segundo Bournouf, assim se explica sua origem: A cruz Suástica (não confundir com a Sovástica do Nazismo que tem a rotação em sentido contrário, símbolo portanto da involução) é representada por dois pedaços de madeira que, para não se moverem, são cravados com quatro pregos e na junção dos braços da cruz passa uma corda que, pela fricção, produz fogo. O Pai do Fogo Sagrado é o divino carpinteiro Tuashtri, que prepara a cruz e o pramanta que deve gerar o filho divino. A Mãe do Fogo Sagrado é Maya, que equivale à Virgem Maria cristã.
Quando o pequeno Agni nasce (Agni é fogo em sânscrito; Agnus, em latim, é o Cordeiro. "Agnus Dei Qui tollis peccata mundi"...) - é colocado num berço (manjedoura) entre animais, e ao lado fica a Vaca mugidora. Ora, Vach (o mesmo que vaca), em sânscrito significa o Verbo Sagrado, Palavra Criadora ou Logos Criador.
Procuremos agora relacionar esses fatos com aquela conhecida passagem bíblica: "No princípio era o Verbo, e o Verbo se fez carne e habitou entre nós..."
O sacerdote brâmane toma o pequeno Agni em suas mãos, coloca-o sobre um altar untando-lhe o corpinho com manteiga clarificada, do que se originou a sagrada unção pelos santos óleos adoptada pela Igreja nos baptismos. É justamente quando o menino Agni recebe o nome de Ungido (Iluminado), Akta em sânscrito e Christos, em grego. Torna-se ele resplandecente, pois que tudo em seu redor se ilumina. As trevas desaparecem e os demónios fogem espavoridos ao clarão de sua luz cintilante.
Ele é o Mestre dos mestres e toma o nome de Jâtavâdas: Aquele em quem a Sabedoria é inata.
Como se vê, a tradição da Sagrada Família aqui no Ocidente representada por Jesus, Maria e José (o carpinteiro), se encontra nos Vedas, a escritura sagrada dos hindus, com uma antiguidade de 3100 anos anterior à nossa Era.
A mãe de Krishna, que surgiu na Índia cerca de 3500 anos A.C. se chamava Devaki, linda e virtuosa princesa, irmã do Rei de Madura, em torno da qual se criaram as mesmas lendas relativas a outras Virgens-Mães ou Marias. É curioso também assinalar a estranha semelhança de grafia e de som entre a expressão latina Jesus Christus e Ieseus Krishna...
Escreve Blavatsky em sua Doutrina Secreta: "Desde os rischis indianos até Virgílio, e de Zoroastro à última sibila, todos, sem excepção, desde o começo da Quinta raça-mãe, profetizaram, cantaram e prometeram a volta cíclica da Virgem e o nascimento de uma criança divina, que faria voltar a "Satya Yuga", a idade de ouro sobre a Terra. Logo que as práticas da Lei estiverem na ocasião precisa de terminar o ciclo da "Kali Yuga" (idade negra, em que ainda vivemos), um Aspecto do Ser Divino, que existe em virtude de sua própria natureza espiritual, na pessoa de Brahmâ, e que é o Começo e o Fim (Alfa e Ômega), descerá sobre a Terra. Ele nascerá na Família de Vishnujasha, como um Eminente Filho de Shamballah e Senhor dos oito poderes do Iogui. Por seu imenso poder, destruirá Ele todos aqueles cujo mental é voltado à iniquidade. Então a Justiça se fará na Terra, e os que viverem até o fim da "Kali Yuga", despertarão com o mental transparente e puro como o cristal".

Prof. Henrique José de Souza

Uma mensageira da Theosophia moderna


H.P.Blavatsky

A ORIGEM DA ÁRVORE DE NATAL

O costume da árvore de Natal (1) foi instituído muito recentemente. É de data tardia não só na Rússia, mas também na Alemanha, onde em primeiro lugar se estabeleceu e de onde se espalhou por toda a parte, do Novo como também do Velho Mundo. Em França a árvore de Natal só foi adoptada após a guerra Franco-Germana, posterior portanto a 1870. De acordo com as crónicas Prussianas, o costume de iluminar a árvore de Natal tal como nós vamos encontramos hoje na Alemanha, foi estabelecido acerca de cem anos. Penetrou na Rússia por volta de 1830, e muito cedo foi adoptado através do Império pelas classes mais abastadas.
É muito difícil traçar historicamente este costume. As suas origens pertencem inegavelmente à mais alta antiguidade. Os abetos desde sempre têm sido colocados num lugar de honra pelas mais antigas nações da Europa. Tais como as árvores de folha perene, e os símbolos da vegetação imorredoura, eles sempre foram consagrados às divindades naturais, tais como Pan, Isis e outras. De acordo com o antigo folclore, o pinheiro nasceu do corpo da ninfa Pitys (2) (o nome Grego daquela árvore), a amada dos deuses Pan e Boreas. Durante os festivais vernais em honra da grande deusa da Natureza, os abetos eram trazidos para os templos decorados com fragrantes violetas.
Os antigos povos Nórdicos da Europa tinham uma reverência semelhante pelo pinheiro e pelos abetos em geral, e faziam grande uso deles nos seus numerosos festivais. Assim, por exemplo, é bem conhecido que os sacerdotes pagãos da antiga Germânia, quando celebravam o primeiro estágio do regresso do sol perto do equinócio vernal, seguravam nas suas mãos ramos de pinheiros muito bem ornamentados. E isto aponta para a grande probabilidade do actual costume das árvores de Natal iluminadas serem o eco do costume pagão de considerar o pinheiro como um símbolo de um festival solar, o precursor do nascimento do Sol. Faz sentido que a sua adopção e instituição na Germânia Cristã lhe comunicasse uma nova, por assim dizer, forma Cristã.(3) Daí que recentes lendas – como sempre acontece – expliquem à sua própria maneira a origem do antigo costume. Conhecemos uma dessas lendas, imbuída de uma grande poesia na sua encantadora simplicidade, a qual pretende dar a origem deste agora universal e predominante costume de ornamentar árvores de Natal com velas de cera acesas.
Perto da caverna onde nasceu o Salvador do mundo cresciam três árvores – um pinheiro, uma oliveira e uma palmeira. Naquela véspera santa quando a estrela guia de Belém apareceu nos céus, aquela estrela que anunciou ao mundo longamente sofredor o nascimento Daquele, que trouxe à humanidade as alegres novas de uma esperança abençoada, toda a natureza rejubilou e diz-se que transportou para os pés do Deus-Menino os seus melhores e mais sagrados presentes.
Entre outras a oliveira que crescia à entrada da caverna de Belém deu à luz o seu fruto dourado; a palmeira ofereceu ao Bébé a sua verde e sombria abóbada, com protecção contra o calor e a tempestade; somente o pinheiro nada tinha para oferecer. A pobre árvore permanecia em consternação e pesar, tentando em vão pensar no que poderia apresentar como prenda ao Cristo-Criança. Os seus ramos estavam dolorosamente vergados para baixo, e a intensa agonia da sua dor forçou finalmente que brotasse da sua casca e ramos uma torrente de transparentes lágrimas quentes, cujas abundantes resinosas e pegajosas gotas caíssem espessas e firmes à sua volta. Uma estrela silenciosa, cintilando no dossel azul do céu, apercebeu-se destas lágrimas; e imediatamente, combinando com as suas companheiras – olhai!, um milagre aconteceu. Hostes de estrelas cadentes caíram por terra, tal como uma grande chuvada, sobre o pinheiro até que cintilaram e brilharam em cada agulha, de alto a baixo. Então, tremendo de alegre emoção o pinheiro levantou orgulhosamente os seus ramos caídos e apareceu pela primeira vez, ante os olhos de um mundo maravilhado, no seu mais deslumbrante esplendor. Desde esses tempos, diz-nos a lenda, que o homem adoptou o hábito de ornamentar o pinheiro na Véspera de Natal com inúmeras velas acesas.


H. P. BLAVATSKY

NOTAS:

(1) Este artigo foi originalmente impresso por H .P. Blavatsky em Lucifer, em Março, 1891. A partir de um artigo do Dr. Kaygorodoff em Novoye Vremya.
(2) Uma ninfa amada pelo deus Pan e transformada em abeto. [Ed. Lucifer.]
(3) Tal como no caso de muitos outros costumes, e mesmo dogmas, emprestados e preservados sem o mínimo reconhecimento. Se a fonte não for confessada, é porque à face da pesquisa e da descoberta tal já não poder ser possível.