domingo, 31 de maio de 2009

Promessa...


Jardim Público de Évora

'ITIMAD

Invisível a meus olhos,
trago-te sempre no coração.
Te envio um adeus feito paixão
e lágrimas de pena
com insónia.
Inventaste como possuir-me
e eu, o indomável submisso
vou ficando!
Meu desejo é estar contigo
sempre.
Oxalá se realize tal
vontade!
Assegura-me que o juramento
que nos une
nunca a distância o fará
quebrar.
Doce é o nome que é o teu
e que deixo escrito no
poema: 'Itimad.

Almu'tâmide ben'Ab.bade
Beja do Aquentejo, Séc.XI
Vrsão poética portuguesa de Adalberto Alves (2004)

sexta-feira, 29 de maio de 2009

O Túnel de Agartha...


O REINO PERDIDO DE AGARTHA

Não sei se já alguma vez teriam ouvido falar de AGARTHA, a habitação mística do REI DO MUNDO. Personagem misterioso ligado desde os primórdios da Humanidade, ao Logos Solar. Garante da continuidade iniciática dos Reis Divinos sobre este Planeta.
Agartha, segundo a Tradição Primordial fica algures na Ásia Central mas, com uma particularidade, é intra-terrena. Além disso só alcança e franqueia o limiar do seu Portal quem disso for merecedor… Esse merecimento poderá acontecer numa fracção de segundos, mas também poderá demorar milénios. Em templo absoluto, tanto faz…
Diz-se também que Agartha se encontra em comunicação com todo o Planeta através de intrincados sistemas de subterrâneos, há eras utilizados por gerações de iniciados nos Segredos Telúricos dos Mistérios Antigos.
Hierarquicamente, abaixo do Rei do Mundo e ainda segundo as mesmas fontes iniciáticas vamos encontrar uma plêiade e Seres que há muito transpuseram a fronteira daquela Realidade que é completamente desconhecida para o homem comum e apegado a valores tão ridículos quanto os que regem as nossas ambições, os nossos desejos pessoais e mundanos de posses materiais, de atitudes egoístas e de lutas fraticidas.
Essa Hierarquia constitui uma Fraternidade de Sages que auxilia o Rei do Mundo na sua hercúlea tarefa de guiar a Evolução não só dos muitos e muitos milhões de seres humanos sobre este globo, como ainda o próprio globo.
Um dos paradigmas cósmicos que ilumina e inspira esta Fraternidade é o Mistério Crístico que, periodicamente acontece entre os homens através de um elemento da mesma Fraternidade. Há aproximadamente dois mil anos o protagonista daquela irradiação divina foi o Mestre Jesus, o Senhor da Compaixão e do Sacrifício. Iniciava-se a Era de Peixes. Hoje a Humanidade e todo o Planeta encontram-se em fase de transição para a Era de Aquário.
Ciclicamente Cristo acontece entre os homens e, segundo a Tradição poderá estar para “breve” o Seu “regresso”…Entendamos as palavras “breve” e “regresso” no seu aspecto mais humano possível, pois que – o que é “breve” para a infinitude dos Tempos?!... Como poderá “regressar” uma Realidade Espiritual que sempre É e Está!!?? – foi o próprio homem que definiu e justificou o seu afastamento do Cristo, da Sua Mensagem, da Sua Realidade Eterna…

Évora, 29 de Maio de 2009

terça-feira, 26 de maio de 2009

A origem da Vida...


A TEOSOFIA E A UNIDADE DE VIDA

A Teosofia ou Theo-Sophia tem a sua origem nominal – isto é, de que existem referências documentais comprovativas – no Século II d.C. com Apolonius de Thyana que empregou o termo e o identificou com a Gnose. Passando depois por Martinez de Pascuallys, no Século XVII, o termo Teosofia foi usado enquanto sinónimo de Sabedoria/Sageza Antiga, já nos fins do Século XIX por Helena Petrovna Blavatsky, nomeadamente nas suas obras "Isis sem Véu" (1877), "A Doutrina Secreta" (1888) e "A Chave da Teosofia" (1889).
É essencialmente esta última abordagem – a da Senhora Blavatsky – que nos interessa agora abordar minimamente. A sua obra prima "A Doutrina Secreta", é baseada em textos de antiguidade imemorial – as "Estâncias de Dzyan" – cujo conteúdo e significação somente poderão ser totalmente conseguidos através de uma vivência autenticamente espiritual. Estâncias essas que, porque escritas de forma poética e mística, evocam outro tipo de compreensão que não a meramente intelectual e ou racional, as imagens arquetípicas saltam, corporalizam-se perante aquele que através do auto-conhecimento for capaz de fazer desaparecer as barreiras da ilusão, do engano, do erro e da morte...
É com este substractum espiritual que a Teosofia se reveste de uma grande importância para a Humanidade dos nossos dias. É a partir desta grande Mensagem que a Unidade de Vida e o papel espiritual do Ser Humano poderão ser compreendidos, vividos ou, pelo menos, abordados.
Vivemos actualmente uma época de enorme crise a todos os níveis da condição humana, vivemos uma época de transformação inevitável e irreversível. Por analogia a outras épocas semelhantes – de passagem de Ciclo –, as "novas religiões", manifestadas através de um sem número de seitas, proliferam. As pessoas buscam desesperadamente algo.
Ciclicamente Grandes Sages vêm até nós, com o intuito de fornecer novas pistas de vida, reformando velhas, gastas e deturpadas verdades, para inaugurar novos tempos, novas eras, contribuindo positivamente para a Evolução da Vida, sempre com um tipo de discurso apropriado à época, ao tempo e às gentes. Há que procurar hoje um discurso e uma vivência que nos façam viver uma Nova Era em harmonia com a VERDADE – que não tem idade, nem época, nem qualquer tipo de limitação ou condicionamento – e que é atemporal e eterna.
A Evolução da Consciência no ser humano encontra-se intimamente ligada com o AUTO-CONHECIMENTO e com a compreensão da UNIDADE DA VIDA Cósmica.
Por outro lado, a perspectiva holística – a que já nos referimos em textos anteriores – para o homem, é afinal o acordar da totalidade dele próprio e do seu enquadramento vital criativo, no qual ele poderá desenvolver ou despertar a sua essência espiritual. Consequentemente, a conscientização desta Unidade, em si própria, confere ao homem uma imensa responsabilidade perante a Natureza, suas Leis e Evolução.
A Busca da Verdade Una é o desafio que permitirá ao homem estudar-se e compreender-se – enquanto Microcosmos – e estudar e compreender a Natureza – enquanto Macrocosmos –, em todas as suas dimensões, estados e realidades. Tudo isto, afinal, para que o Auto-conhecimento seja conseguido e vivido, porque, como sublinhava Sócrates, citando fonte muito mais antiga da Sabedoria Eterna: "Homem, conhece-te a ti próprio…"
Sem dogmas, sem verdades absolutas, sem revelações, sem ideologias cristalizadoras e castradoras, que opõem, confrontam e dividem…a Verdade faz-nos buscar Aquilo que une os homens entre si e a Humanidade em devir.
Os Sábios procuram ultrapassar as divergências para realizarem a Unidade que salvaguarda as diferenças. A união na diferença é, sem dúvida, uma das questões mais importantes da nossa época – social, psicológica, espiritualmente…
Os sentimentos de Tolerância e de Fraternidade, transformam as divergências irreconciliáveis em convergências fraternais, onde o homem aprende a Liberdade e, através da assunção da diferença do seu Irmão, alcança a compreensão da Igualdade do ser humano face ao ser humano ele próprio. Aprende que a complexidade do seu semelhante é afinal composta de pequenas e simples verdade constituintes da VIDA UNA E INDIVISÍVEL.


Rui Arimateia "Textos Teosóficos VIII"
Évora Ramo Boa-Vontade da Sociedade Teosófica de Portugal

domingo, 24 de maio de 2009

Biblioteca Pública de Évora


Sala de Leitura

SOBRE A NOSSA BIBLIOTECA

A bibliotheca do sr. Visconde da Esperança, que vae ser legada á cidade de Évora, ficará sendo o mais precioso de todos os seus monumentos

E para fecharmos este ligeirissimo introito, uma referencia mais apenas. Fomos visitar a Bibliotheca do sr. Visconde da Esperança. Admiravel. São quarenta mil exemplares unicos no mundo. Lá figuram as primeiras edições do nosso Pedro Nunes, João de Barros, Vieira, Bernardes; os quatro rarissimos volumes de Vincentius: «Speculum Naturale», «Historiale», «Morale» e «Douctrinale», edição de 1473, e que é dado como exemplar unico por estar completo; mais de cem incunabulos, uma infinidade de codices e de illuminuras. É a maior e a mais rica livraria particular de Portugal e n’ella figuram exemplares que não existem nas principaes bibliothecas do mundo, incluindo as de Londres, Berlim e Paris. Da «Grammatica», de João de Barros, edição de 1540, de que ha noticia apenas da sua existencia na Bibliotheca do Gabinete Portuguez de Leitura do Rio de Janeiro, lá vimos um exemplar. Todos os nossos classicos se encontram fartamente representados e volumes existem alli que pertenceram aos nossos reis e rainhas. É um assombro de riqueza bibliographica esta Bibliotheca do sr. Visconde da Esperança. Pena seria se ella amanhã se desfizesse e as suas mais raras preciosidades nos fugissem para o estrangeiro mercê dos dollares e das libras da Inglaterra e da America, com as quaes o nosso escudo não podia entrar em disputa – que ha alli exemplar quem em leilão, iria a algumas centenas de contos se não attingisse o milhar. Mas é o proprio sr. Visconde quem amavelmente nos tranquillisa:
– A minha Bibliotheca ficará para a cidade de Evora. Ando preparando as minhas coisas para que a entrega official se faça em breve. Ainda se não fez porque, eu desejo assegurar-lhe a sua conservação com uma dadiva de 300 contos a fim de que tantas raridades que aqui estão sejam devidamente conservadas.
Registemos a declaração do sr. Visconde da Esperança. A sua offerta á cidade de Évora é d’um valor enorme e o seu gesto ficará, na gratidão da cidade e na gratidão do paiz, como um dos de mais alta valia. A Bibliotheca do sr. Visconde da Esperança, apezar de Evora ser uma cidade riquissima de monumentos do maior valor historico e architectonico, ficará sendo, no emtanto, o mais raro, o mais bello e o mais precioso de todos os seus monumentos.

JOÃO PAULO FREIRE (MÁRIO) – "Por Terras do Norte e do Sul", Casa Editora de A. Figueirinhas, L.DA, Porto, 1928.

sábado, 23 de maio de 2009

A Natureza como manifestação da Verdade...


SOBRE A VERDADE

Abordou-se em texto anterior a problemática da Busca, da Demanda Espiritual, propomo-nos neste pequeno escrito abordar a essência dessa Busca que, pensamos ser a VERDADE.
Verdade subjacente a toda e qualquer aspiração de ordem espiritual, não embalada nem limitada por dogmas, por receitas, por encomendas, nem por militâncias balofas e desprovidas de sentido, de liberdade e de autenticidade, porque divorciadas da VIDA.
A VERDADE, olhada sempre em termos relativos, pois que é assimilada segundo as aspirações de cada um e segundo a sua sede de Infinito, de Absoluto, de Incomensurável...em cada instante. A minha sede de Verdade é diferente da do meu companheiro, na qualidade, em termos de Ser e de Estar nesta vida de Procura e de Evolução. A minha Verdade, que em última análise me não pertence, é da mesma essência, da mesma Natureza de todas as outras inúmeras verdades de cada ser humano, viventes numa relação constante.
Verdade e Autenticidade... duas faces de uma mesma Realidade, pois que só o ser verdadeiro é autêntico, toca o âmago do REAL... A Verdade é arquetípica, na medida em que só se atinge por intuição — através de insights, capta-se o seu Mistério e, sem o procurar, Ele acontece... A autenticidade poderá considerar-se a busca pragmática e desinteressada dessa Verdade. Ser autêntico é viver a Vida sem preconceito, condicionalismo, temor ou medo. Ser autêntico, é tocar o além da vulgaridade e do senso comum... é assumir a Natureza Humana e tentar transcender os aspectos egoísticos e a característica dual e conflituosa nas nossas relações do quotidiano.
Uma das preocupações centrais da Teosofia ao longo dos tempos, nomeadamente a partir do extraordinário legado cultural e espiritual de Helena Petrovna Blavatsky (n.30-7-1831 — f.8-5-1891), é a de procurar a UNIDADE DA VIDA, sempre na perspectiva de que a Relação Humana, a Verdade e a Liberdade estão, de facto, continua e dinamicamente presentes na nossa BUSCA ESPIRITUAL e na nossa DEMANDA PELA VERDADE.
O Conhecimento, por mais incipiente que seja, implica responsabilidade. Um trabalhador que use eficazmente a sua ferramenta de ofício é-lhe exigido socialmente cada vez mais, maior perfeição. A Obra precisa, em cada dia que passa, de mais e de bons trabalhadores e a Obra inicia-se a todos os momentos em nós próprios. Para se compreender o subjacente, o autenticamente verdadeiro na Obra, para se compreender o seu âmago, a sua essência, há que buscar e compreender a perenidade dos símbolos e das mensagens espirituais Nela implícitos.
Hoje, o homem moderno perdeu ou está a perder, a capacidade de vivenciar a mensagem mais profunda dos símbolos da Vida e da Morte. Distancia-se deles. O stress e a superficialidade de vida com todo o condicionalismo daí resultantes, assim como o mau uso das ferramentas pelo trabalhador — trabalhe ele a pedra ou o intelecto — impossibilitam ao homem relacionar, inter-relacionar as Grandes Verdade da Vida Una com as miríades de facetas das relações humanas.
Verdade e Liberdade são, afinal, os grandes objectivos a alcançar pelo homem através de diferentes caminhos, de diferentes perspectivas: Religião, Filosofia, Ciência, Arte... Resta-nos, a todos nós. E a cada um, procurar a Via, procurar o acorde harmonioso que a ponha em sintonia com a VIA DO CORAÇÃO que representa a autêntica chave que nos abre a porta dos Mistérios de Natureza e nos apresenta o GRAAL da Sageza das Idades a fim de bebermos e saciarmos a nossa sede.
É esta a tarefa última da TEOSOFIA e a sua Mensagem última.

Rui Arimateia "Textos Teosóficos VII"
Évora Ramo Boa-Vontade da Sociedade Teosófica de Portugal

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Ir à Espiga em busca da Grande Mãe...


O DIA DA ESPIGA OU 5.ª FEIRA D'ASCENSÃO

“Quem tem trigo d'Ascensão
Todo o ano terá pão.”

diz o ditado popular baseado em tradição antiga e cujo sentido ainda nos nossos dias é tido em conta, pois que muita gente, quer por devoção, quer por costume, quer pela confraternização resultante, se desloca aos campos à volta da cidade a fim de «colher a espiga» para a trazer para casa com fins protectores e apelativos de abundância.
Podemos ler uma pequena notícia no desaparecido jornal eborense Democracia do Sul de 27 de Maio de 1922, com o título «Dia da Espiga», referindo: «Respeitando a tradição, Évora despovoou-se na quinta-feira. A cidade ficou deserta.» Ainda nos dias de hoje há Serviços, e algum comércio eborense, que encerram as suas portas durante a parte da tarde a fim de permitir que os funcionários e empregados possam cumprir com a tradição. E ela não deixa de se cumprir embora cada ano que passa seja mais difícil encontrar-se espigas de cereal...
Quando terá sido instituído o «Dia da Espiga», coincidindo com o Dia da Ascensão do Calendário Litúrgico Cristão, ninguém o saberá dizer. Constata-se tão somente a solenidade da Festa, simultaneamente pagã e litúrgica.
Pagã no sentido etimológico das palavras latinas pagus/paganus, isto é, referente a aldeia/campo, aldeão/camponês.
Reminiscências do latino paganus (aldeão, camponês ou a eles relativos), o que semeia a terra ao longo das estações do Ano, o que “combate” a Natureza com a Natureza - por exemplo, ao colocar ramos de oliveira por cima das portas e das janelas por causa das trovoadas; ao colocar um ramo de espigas em casa, para “dar sorte” durante o resto do ano; etc. -, o que presta culto à Terra-Mãe celebrando as diferentes festas agrárias anuais - como por exemplo as Maias, também coincidentes por esta altura da Primavera -, ele liga-se e entrega-se totalmente à Terra que cultiva. Segundo o erudito antropólogo e historiador das Religiões, Mircea Eliade, para o camponês, a terra é compreendida como a Grande Mãe: que possibilita a sua sobrevivência e lhe dá simultaneamente a felicidade e o sofrimento nesta vida, tendo as festas e cerimónias, através das diferentes manifestações e ritos, como objectivo final, inconsciente ou não, a Saudação à Mãe Terra, à Tellus Mater, que se manisfesta através dos ciclos naturais e anuais de germinação, floração e frutificação, fundamentais para a própria continuidade física e espiritual do homem.
Litúrgica porque nos templos católicos, nesse mesmo dia, se celebrava a reza da hora, do meio-dia à uma, mas hoje praticamente em desuso e votada ao esquecimento por celebrantes e fiéis.
«Depois, levou-os até junto de Betania e, erguendo as mãos, abençoou-os. E ao abençoá-los, sucedeu que se separou deles e ia elevando-se ao céu. Eles, tendo-o adorado, voltaram para Jerusalém cheios de alegria e estavam continuamente no templo bendizendo a Deus.» (Lucas, XXIV, 50-52).
É este o episódio das escrituras cristãs cantado num dos Evangelhos o festejado na 5ª Feira de Ascensão ou 5ª Feira da Espiga, correspondente à Ascensão de Cristo aos Céus, quarenta dias após a Ressurreição.
Festa familiar por excelência, em que grupos de gente vai para o campo, com o farnel, festeja, celebra ritos esquecidos num ritmo de paz, alegria e confraternização. Pais, filhos e amigos, homens, mulheres e crianças, cumprem o rito e, como diz o poeta: «Assim foi sempre, assim sempre será»...
Tradicionalmente, no Alentejo deve-se colher o Ramo da Espiga do meio-dia à uma hora da tarde e consta que o ramo seja constituído por cinco folhas de oliveira, cinco espigas de trigo e o maior número possível de flores amarelas e brancas. Por vezes, e segundo as devoções de cada um, esta «apanha» era acompanhada pelo rezar de cinco Pai-Nossos, cinco Avé-Marias e cinco Glórias. É claro que o número e a espécie de elementos constituintes do Ramo varia de terra para terra, de grupo para grupo, de família para família.
Interessante também será o significado dado pelo povo aos componentes do dito Ramo: os ramos de oliveira para que durante o ano não falte o azeite em casa; as espigas de trigo que pressagiam um ano farto de pão; as flores amarelas e brancas para que não escasseie o ouro e a prata... Independentemente do significado concreto dos elementos, crê-se geralmente que, ao trazer este Ramo para casa e colocando-o atrás da porta de entrada, na cozinha, na sala, etc., para aí ser conservado durante um ano, esta acção traz sorte e felicidade para os moradores da casa. A espiga reveste-se assim de características simbólico-mágicas, tornando-se num talismã protector poderoso para a conservação da coesão do lar e da família, e sabe-se o quanto esta coesão e fortalecimento da família era importante nas sociedades antigas ligadas aos ciclos agrários.
Cerimónia, pois que no fundo disso se trata, representando com certeza alguma reminiscência de arcaicos cultos ligados às forças da Natureza e da Terra-Mãe a que o Cristianismo juntou a Ascensão e a evocação de Cristo, também Ele, por sua vez, ligado misticamente ao Sol enquanto fonte criadora e mantenedora da Vida sobre a Terra.
Mitologicamente, e segundo Leite de Vasconcellos, «o culto da espiga vem já de tempos imemoriais, pois antes que a humanidade inventasse o culto todo espiritual, como é o de nossos dias, ela voltou os olhos à terra-mãe que lhe dá o pão, e adorou-a com mais ou menos símbolos, festejando todos os anos o nascimento do trigo.
Milhares de anos antes de Cristo realizavam-se já numa pequena cidade da Grécia - Elêusis - pomposas festas em honra das duas Deusas das searas - Ceres e Proserpina.
Dizia-se já então que estas festas tinham sido estabelecidas pelos deuses da Antiguidade.
(...).
Havia entre os Gregos duas espécies de festas dedicadas às grandes Deusas, as quais correspondiam às duas grandes épocas agrícolas.
As pequenas eleusinas celebravam-se nos meses da germinação, anunciada miticamente pela ascensão de Proserpina aos Céus.
As grandes eleusinas celebravam a descida de Proserpina aos infernos e correspondiam à época das sementeiras.
Proserpina, trazida à luz, representa o despontar do fruto. A condução ao inferno representa a introdução da semente na terra.
Correspondem estas festas às festas da Primavera e às festas do Outono.
(...).»
Nestes tempos de bulício e de correrias constantes vale a pena pararmos um pouco e procurarmos olhar a essência deste costume da apanha da espiga: vemo-nos a confraternizar com familiares e amigos, encontramo-nos a contactar directamente a Natureza que nos rodeia, espantamo-nos a olhar as árvores, as flores campestres, as searas... e, sem darmos por isso, algo em nós fica qualitativamente melhor, mais solidário, menos isolado, mais fraternal, mais humano...
Se calhar não é por simples acaso que o Dia da Espiga acontece todos os anos nesta época da Primavera, quando os campos se cobrem de flores anunciando a extraordinária capacidade de regeneração da Vida.
Valerá concerteza a pena esta tarde tirarmo-nos de cuidados e irmos até aos campos próximos para, mais não seja, sentir os aromas que pairam no ar e que nos fazem realmente ascender a outras realidades e a outros ritmos que, no dia-a-dia normalizado, não temos tempo, nem espaço, nem disponibilidade para eles.
Aqui fica o desafio.

Rui Arimateia
Évora, Maio de 2009

Um pássaro que passa... um risco azul no céu


A LENDA DO MONGE E DO PASSARINHO

Entre as lendas que a Idade Média nos legou, uma das mais belas é sem contestação aquela na qual se diz que certo monge rogava a Deus em instantes súplicas, que lhe desse em vida uma pequenina amostra dos gozos do paraíso. Eis senão quando um dia chegou aos seus ouvidos o canto dum passarinho, mas tão suave e melodioso que, no desejo de mais perto o ouvir, saiu do seu convento e foi prostrar-se junto do sítio onde a avezinha estava poisada. Sempre enlevado, ali se quedou algum tempo, segundo ele pensava, até que o alado cantor se afastou, dando fim aos seus trinados. O bom do monge voltou então ao cenóbio, mas grande foi a sua admiração, quando viu o exterior mudado, e maior ainda, ao saber do porteiro que nenhum dos seus antigos confrades lá estava. À vista da sua insistência em afirmar que poucas horas havia que dali saíra, perguntaram-lhe o nome do seu abade; foi então que, consultados os anais da casa, se reconheceu que trezentos anos se tinham passado entre a sua partida e chegada. Pouco tempo sobreviveu o santo homem à estranha aventura, voando o seu espírito de aí a pouco para o seio de Deus.[1]
[1] Existe uma Canção de Santa Maria, a 103.ª, de Afonso o Sábio, que conta esta lenda: “Como Santa Maria fez estar o monge trezentos anos ao canto da passarinha, porque lhe pedia que lhe mostrasse qual era o bem que avian os que eran en paraiso”.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Dignidade sofredora


SOFRIMENTO ANIMAL... SOFRIMENTO HUMANO...

Deixo hoje outro poema de M. Dulce Penaguião, sobre o triste e decadente espectáculo das touradas que infelizmente ainda se organizam no Concelho de Évora e tem por título

SOFRIMENTO

- Aceitando que no toureio há martírio
inconsciência e alegria no delírio
de farpear, estocar, provocar dor...
- Aceitando que a tauromaquia é desumana
inútil, escusada - deprimente afronta...
cada vez menos haverá gente a favor
cada vez haverá mais gente contra...

Meditemos um pouco nisto
com visão intransigente
julguemos com mais rigor:
Quem... No meio de tudo isto
tem dignidade, afinal?
- Será o inteligente?
- Será o apoderado?
O toureiro, o forcado? Ou os 500 quilos de sofrimento animal?

in "Touradas", Ed. Parceria A. M. Pereira, Lisboa, 2005.

domingo, 17 de maio de 2009

Pelo fim das touradas e dos toureiros...


TOURADAS EM ÉVORA?!... QUE PENA!!...

Em pleno Século XXI nada nem ninguém poderá justificar ou defender espectáculo de tamanha crueldade, boçalidade e cobardia como o das touradas.
Évora, a Liberalitas Julia de tempos idos, podia e devia clamar pela autêntica liberdade de consciência e banir definitivamente tal aleivosia e tal estupidez.
Hoje dia 17 de Maio de 2009 é mais um dia que considero de luto pela barbárie e de luta pela erradicação desse costume tão ao gosto da irracionalidade e insensibilidade humanas!
Évora será verdadeiramente uma cidade de Cultura e merecedora do epíteto de Cidade Património da Humanidade quando ficar livre de tal aberração. O eborense, que sempre pugnou pela justiça e pelo humanismo até quando estará disposto a presenciar tal espectáculo de incultura?
Partilhemos um poema de M. Dulce Penaguião:

TOURADA

Chamam-lhe festa de luz, de cor e emoção
lançar na arena um touro ferrado com sádico rigor
um animal que não entende – tal como a multidão…
Que a festa vai ser de martírio, sangue e dor!

Toureiro – Touro
Inteligência versus força bruta?
A que valores a tourada julga ser fiel
se o que se passa na lide é mórbida disputa
para distinguir dos dois o mais cruel…

Arrogante, afiambrado, ridículo no trajar
eis o toureiro que a um touro cabe em sorte
convencido da sua arte veste-se para matar
mas o pior da tourada não creio que seja a morte…

O pior é haver gente que chama bravura à dor
sanguinários delirantes de um espectáculo brutal
que levam em ombros um bárbaro e um traidor
aos mais elementares direitos do animal!

Nem arte, nem coragem, nem evolução!
Só vaidade, interesses, arrogância
cobardia em pôr fim à tradição
deste sadismo na dor e na matança!...

Nem arte, nem coragem, nem ciência
nos rituais fanáticos a exigir extinção
aplaudir dor e sangue a escorrer é já demência…
Malditos valores os desta tradição!

Poema de M. Dulce Penaguião, in “Touradas”, Ed. Parceria A. M. Pereira, Lisboa, 2005.

sábado, 16 de maio de 2009


Cruz Templária de Monsaraz

A BUSCA ESPIRITUAL

A Busca Espiritual, a Demanda! — O que são? Que sentido têm nos dias de hoje? Como se equacionam em termos individuais e de grupo?...
Para procuramos o Caminho será necessário sabermos o que procurar, e sabermos o que procurar, levar-nos-á inevitavelmente a uma abordagem do real na zona do Auto-Conhecimento, onde a compreensão dos problemas da vida e da morte é indispensável para que alguém se possa situar plenamente, e de facto, na Senda de uma autêntica Busca Espiritual.
No entanto, há que sublinhar devidamente, este Conhecimento, portador da Verdade e que confere a Libertação e a Paz ao Ser Humano, "comprometido" com a Sageza das Idades, é incomensurável, omni-abarcante, não limitado, mas que poderá ser percebido pelos que o querem perceber.
Desejo, avidez e ignorância (tanha e avidya, conceitos que, no Oriente são utilizados por alguns sistemas filosóficos, tal como o Yoga, e por algumas Religiões, tal como o Buddhismo) são os grandes limitadores e condicionadores do Real Conhecimento. Assim, o primeiro degrau na Escada Espiritual é a expulsão efectiva destes elementos perturbadores, destes vendilhões do Templo e, segundo se crê, inerentes à condição humana. Contudo, não se encontrarão naquele Homem que se assume Senhor e Legislador do seu próprio destino, porque liberto das cadeias de acção e reacção, de causa e efeito, em que a generalidade da Humanidade se encontra enredada, oprimida e sofredora.
A Busca, no fundo, está em nós, o Caminho passa realmente pela nossa auto-compreensão, desde os tempos imemoriais da História do Homem, em que este conseguiu, por mérito e por direito, ter acesso ao Castelo do Graal. Aqui, onde brilha a Lanterna da Intuição poder-se-á completar a Aventura da Demanda — nesta Terra Graálica que é Évora!... — quando, ao bebermos do Cálix Sagrado, a transmutação espiritual acontecerá e o homem-em-demanda, que somos todos nós, finalmente, se transformará, se transmutará, em Homem-Crístico, o Senhor Universal da Compaixão. Então, o microcosmos e o Macrocosmos voltam a identificar-se conscientemente, então, como o afirmou o Poeta, o homem

"Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia."

Mas, quando se inicia a Busca? Poderemos nós decidir conscientemente do início da Demanda? Poderemos nós querer iniciar o Caminho? Haverá métodos de procura?
Questões importantíssimas que se nos colocam, tanto mais importantes quanto nós sabermos e estarmos conscientes da ilusão que nos domina a todos os níveis — físico, psicológico, espiritual...
É necessário sentir e viver o apelo interior, mais profundo, e para além de quaisquer definições ou justificações que possamos apontar aquando do seu aparecimento. Afinal as nossas mais autênticas aspirações são a conquista da felicidade, a compreensão global da Verdade, o conseguirmos vivenciar o Deus-em-nós – esperança de Glória, segundo o grande Iniciado S. Paulo –, dependendo muito da idiossincrasia de cada um e do seu projecto de Vida, a qualidade do apelo e do impulso sentido, buscado e vivido.
A Via ou Busca Espiritual é a total disponibilidade, é a faculdade mais profunda do Ser que se predispõe a efectuar a recepção de energias espirituais no próprio momento em que se implementa e desenvolve interiormente o estado da Grande Compaixão, aquele estado de dádiva absoluta, inclusive da própria vida... tal como diz A Voz do Silêncio: "Renuncia à vida se queres viver."
A Busca começa em nós. A Unidade tão procurada, o Deus tão aspirado…, residem no mais profundo e permanente de nós. Como é afirmado no Chandogya Upanishad (III-14): "Este Atman que reside no coração, é menor que um grão de arroz, menor que um grão de cevada, menor que um grão de alpista; este Atman, que reside no coração, é ao mesmo tempo, maior que a Terra, maior que a atmosfera, maior que o céu, maior que todos os mundos reunidos."

[Os Upanishads, livros de carácter sagrado que, na Índia são comentários explicativos dos Vedas].
Dizia Paracelso que "Trazemos em nós o centro da natureza." Assim, cada um de nós é realmente um centro que efectua a ligação do Céu à Terra, mais ou menos conscientemente, com mais ou menos intensidade, mas em contínua evolução, em permanente busca, onde impera o sofrimento ou a felicidade, a paz ou a guerra, o amor ou o ódio, ou então achamo-nos subitamente num estado onde não é possível encontrar quaisquer referências para se compararem os complementares, para se olharem as contradições, para se apontarem os conceitos antagónicos… É através desse estado, de aniquilamento do eu ilusório, que acontece a autêntica percepção da Totalidade, no sentido da autêntica consciencialização da Unidade, da Vida e da Morte. Quando acontece, não a identificação do eu com o Caminho (auto-valorizando-se egoisticamente aquele), mas sim quando transparece uma autêntica Libertação, Transmutação Espiritual do indivíduo em relação à Lei de Causa e Efeito que rege o desejo de viver. Lei desencadeadora de forças, de espectativas, de tensões, num espaço e num tempo limitados e limitadores, onde o Desconhecido, o Atemporal, o Ilimitado e a Demanda Espiritual – porque não comprometidos com os prazeres comuns do quotidiano – não fazem sentido...
A Busca, a Demanda, autênticas, são Solidão... mas são igualmente estados de União e Comunhão. Ao nível da relação humana e da relação do Homem com o Universo, nos estados de consciência atrás referidos, não existem um sujeito e um objecto separados e isolados um do outro, não existe a separatividade ilusória, mas onde a cada um é conferido (implícita e objectivamente) um Estatuto de Ser e de Ser dotado de Palavra simultaneamente Criadora e Libertadora...


Rui Arimateia / "Textos Teosóficos VI"
Évora / Ramo "Boa-Vontade" da Sociedade Teosófica de Portugal

terça-feira, 12 de maio de 2009

Conferência Teosófica na Biblioteca Pública de Évora


Caminhar no claustro com a Luz...


A «DOUTRINA DOS OLHOS» E A «DOUTRINA DO CORAÇÃO»

Com a sabedoria cresce o sentido do Mistério.
Porque tudo nos é sinal de outra Realidade. As coisas que pelos sentidos percebemos, as doutrinas que nos vêm pela mente servem para acordar-nos a uma verdade maior que a verdade dos olhos ou a verdade puramente lógica.
A Teosofia, ao mesmo tempo que nos aparece como um vasto horizonte em que a razão se espraia e purifica, no pulsar dos ritmos e na contemplação da harmonia cósmica, também nos é proposta como uma face de mistério.
Enigma que na vida se desdobra e na Vida abandona a sua máscara, perante aquele que de coração puro se apresenta para viver sua verdade.
Mas enigma que se não descobre só com os olhos da mente.
Os princípios da Antiga Sabedoria são propostos à nossa verificação individual, como experiência a viver a todas as dimensões. Não, pois, como doutrinas constituindo objecto de uma crença cega, mas como «hipóteses de trabalho». (Tal a hipótese que o cientista põe à prova, por lhe ter aparecido como explicação satisfatória dos factos observados). Autênticos guias de acção. Verdadeiras leis cósmicas e humanas, esses princípios cuja verdade vamos encontrando na experiência de todos os momentos, aprofundada em reflexão.
Mas uma mera apreensão intelectual da Teosofia não é Teo-sofia ainda. Não é ainda essa sageza (ou sophia) que se não possui mas que se é. E que apenas se é quando por nós se vive.
O conhecer da mente torna-nos seguros. Demasiadamente estáveis e seguros. É preciso, a cada instante, que a vida por nós circule. Dinamizando, inquietando. Para além desses limites do horizonte mental, por nós próprios traçados, como um círculo aprisionante.
Conhecer só com a mente não é sageza ainda, esse saber viver que transparece no olhar, na voz, no gesto.
Por muito lógicas que possam aparecer, soam a falso as palavras sem lastro de vivência. Atraiçoando o mundo, que tem sede de verdade inteira.
A «doutrina dos olhos» é apenas a dimensão horizontal de uma profundidade, coração da Vida, que só o coração pode abraçar.
Ela é apenas um roteiro. Apenas marco ou sinal dessa profundidade Vida, permeando os dias do nosso real quotidiano.
A «doutrina dos olhos» é uma ponte de passagem. Não uma terra para ficar.
Está em nós essa sageza a que chamamos Teo-sofia. Tal como tudo está em nós.
O caminho é a procura dentro, ao mesmo tempo que vivemos for a. Numa compreensão comunicante.
Doutrina do coração ultrapassando todas as doutrinas. Desfazendo as barreiras que criámos. Reconstituindo, na procura, a Unidade perdida que esquecemos, mas desde sempre nos atrai chamando, como uma Terra de Promessa.

Maria Beatriz Serpa Branco
in «Osiris», Boletim da Sociedade Teosófica de Portugal, N.º 141,
Janeiro, Fevereiro, Março de 1968.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

A cor da Vida


A LINGUAGEM DA RELAÇÃO

“Ide aos locais de silêncio de vossos corações;
entrai nas tranquilas e silenciosas câmaras
de vosso ser interior…
Nesse momento a intuição virá até vós.
Tereis imediatamente o Conhecimento;
conhecereis instantaneamente a Verdade.”
G. de Purucker


É urgente e necessário confiar no grande Sentido da Vida. É imperioso um estado de disponibilidade incondicional para aceitar todos os Seus grandes desafios.
Há que olhar o Social e o natural enquanto enormes e complexos sistemas, talvez até enquanto organismos vivos. Seremos tão só uma pequena célula daqueles magníficos organismos que são a Sociedade e a Natureza. Há que perguntar: qual a nossa função, qual o nosso papel nesse Todo? Este só vive em função das partes, estas só existem porque são esse Todo.
A inter-relação entre as partes é fundamental para que se exerçam correcta, aberta e dinamicamente as Vivências. Os estímulos estão lançados, as respostas que não se façam esperar, mas de forma harmoniosa e equilibrada.
Instrospectivamente reflictamos: Eu, pela parte que me diz respeito, tento compreender o Todo do qual faço parte. O ganho da relação acontece quando a percepção de que o Todo sou eu está consciente na minha praxis pessoal. E é o conjunto de todos esses eus que constróem esse Eu impessoal e globalizador que tudo e todos abarca e envolve.
O homem não é um ser isolado nem vive única e exclusivamente para sobreviver pela lei do mais forte, que rege o irracionalismo animal. É um ser livre, é um ser que tem consciência de que é Ser e que tem capacidade de compreensão do que o rodeia, e tem a liberdade de praticar acções de mudança em harmonia.
Em última análise o homem é um ser intrinsecamente religioso. E encare-se este conceito na perspectiva do que já foi dito, de que o homem tem capacidade de compreender e de efectuar a re-ligação das partes com o Todo. Re-ligar, eis a chave essencial para a compreensão do organismo homem e do organismo social – ambos vivos e susceptíveis de se reproduzirem e de evoluírem no tempo e no espaço das suas relações e interrelações na e com a Natureza.
O Homem vive para penetrar e conhecer os segredos telúricos, sagrados e universais encerrados no Templo da Natureza, transformando-O e erigindo-O e transformando-se. O animal adivinha tão só o limiar do Portal do Sages. O primeiro tem acesso ao Espírito Universal, o segundo fica prisioneiro da forma e, subjugado, não consegue a verticalidade nem a liberação da mão-gesto e da face-palavra, que o deveriam tornar num deus.
De tudo isto se evidencia que a importância da relação humana reside principalmente no Ser (Ser Consciente) e nunca no Estar. Este último implicando concepções de espaço e de tempo limitadores da Relação Total. As partes são formadas pela dimensão espaço-tempo enquanto que o Todo pertence à dimensão do Ser, da Consciência, do Logos), aquela dimensão que reside para além das palavras e dos efeitos. O Ser alcança-se através da Voz do Silêncio…

Analisemos então a palavra e a linguagem e a sua importância na Relação e na Comunicação Humanas, através deste pequeno excerto de Rohit Mehta, retirado do seu inspirador livro “Procura o Caminho”:

“(…) Se nós escutássemos o silêncio uns dos outros, em vez de meramente escutar as palavras faladas, haveria maior compreensão e espírito de boa-vontade nas relações humanas. Justamente como numa melodia o que importa é o intervalo entre as palavras e acções que é da maior significação. É neste intervalo que se pode perceber a qualidade de um ser. Ouvir a melodia é, portanto, compreender a qualidade dos homens e das coisas. (…).”

O homem conseguiu um ganho cultural e espiritual na aquisição da linguagem. No entanto há que compreendê-la enquanto uma extensão (um meio) física e psicológica do ser humano e não enquanto um fim (uma causa). Há o perigo real de se confundir a extensão com a própria origem, com a própria fonte dessa extensão. Há o perigo, sempre presente, de se confundir o sujeito com o objecto, o Ser com a manifestação desse Ser.
Como disse Almada Negreiros:

“Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa – salvar a humanidade.”

E voltando uma vez mais à perspectiva holística, vemos que as leis naturais começam a pouco e pouco a ser vistas como partes de um universo holístico no qual a ordem subjacente se desenvolve numa ordem muito explícita, que as leis naturais exemplificam em detalhe. Entidades e objectos separados não poderão ser significativamente estudados quando isolados do resto do universo. Existe uma relação mística (total) entre o observador e o observado, mesmo em disciplinas tais como a física atómica. Existem muitos sistemas abertos interrelacionados com o mundo, incluindo diferentes unidades tais como o átomo, a célula biológica e o homem, que funcionam e evoluem, regulados pelo mesmo princípio auto-organizador no universo.
O homem espiritual e o homem holístico (o Místico-Religioso e o Cientista) preocupam-se respectivamente com a busca do auto-conhecimento e com a busca das causas últimas da manifestação da Vida. Em última análise, ambas as demandas, com eventuais metodologias distintas se preocupam com a qualidade das coisas, com a Vida enquanto sinónimo de Totalidade, e que, qualquer que seja o Caminho, qualquer que seja o início da pesquisa, a preocupação essencial e fundamental de ambos é caracterizada muito marcadamente por uma Ontologia das Origens, onde o Imaginário Real está presente, é, sempiternamente na base orgânica do entendimento do homem e da natureza em relação permanente com o Todo, isto é, com o Estado de Ser.


Rui Arimateia / "Textos Teosóficos V"
Évora / Ramo Boa-Vontade da Sociedade Teosófica de Portugal

domingo, 10 de maio de 2009

Évora revisitada...


BALADA DE ÉVORA

Évora aberta à lua plana
Do trigo seco nas almearas,
Árabe, Gótica Romana
Mostrando a pedra esconde as caras.

E vai, vogada nos muros
Como uma barca contra o vendo,
Abrindo os ângulos escuros
A amores de légua num momento.

Tão sossegada na cal branca,
Lá degolada, já sem forças,
Traz setas de palha na anca
Como um galope de corças.

Olhai o verde limoeiro
Que seios abre nos seus poços!
E o pelicano e a camaroeiro
Timbrando as naves cheias de ossos.

Pálida moça, tão berbere
Nas horas duras do rescaldo!
Há sempre um jovem que a prefere
Com ousadias de Geraldo.

Nocturno, na esteva quente,
O ar das eiras a enevoa:
Évora corre à nossa frente
Como o perfil de uma pessoa.

Uma arreata de pelicos
Lá guia os porcos ao montado:
Tempo que fez celeiros ricos
A fronte de Évora o tem suado.

Ó torre dos coruchéus
Não olhes tanto os montes tristes!
Évora, freira sem véus,
Tão erma ao sol, como resistes?

Calada em campo de azinho
Qual a lisonja em seu escudo,
Só da cegonha resta o ninho.
Quem viu Évora esqueceu tudo.

Poema de Vitorino Nemésio

sábado, 9 de maio de 2009

Bendita a Irmã Luz...


Claustro Convento S. Francisco de Évora

HOLISMO

“Bendito seja o mesmo sol de outras terras
Que faz meus irmãos todos os homens
Porque todos os homens, um momento no dia,
/ o olham como eu…”

Alberto Caeiro


Nos nossos dias está a pouco e pouco a despontar um novo modo de, digamos assim, investigação e comunicação entre os homens – a perspectiva Holística. Isto é, um modo de pensar abarcante, total e unitário, que olha as várias disciplinas do conhecimento do homem e da Natureza sempre em relação umas com as outras, não compartimentalizando, não separando o conhecimento, mas sim integrando-o.
Este método revolucionário não é novo pois que, a Perspectiva Holística que, por um lado significa total e pôr outro sagrado, contrapõe-se àquela maneira de ser que espartilha a realidade e que toma a parte pelo todo, que prefere a análise à síntese. Como se vê, por exemplo, no Conto Tradicional e no Mito, onde a Realidade Última é abordada, sempre o Todo está presente, em contínua transformação e harmonia. A Sabedoria Tradicional, autenticamente religiosa, no sentido de re-ligar (do latim religare), isto é, unir, juntar, olhar o Todo de preferência à parte, de preferência à separação, à desunião. São conceitos tão complexos como aqueles que quotidianamente lidamos, como por exemplo: haverá diferença entre o olhar e o ver? Entre o ouvir e o escutar? Entre o mexer e o sentir?…
Por outro lado, a perspectiva holística, para o homem, é, afinal, o acordar da totalidade dele próprio e do seu enquadramento vital criativo, no qual ele poderá desenvolver ou despertar a sua essência espiritual. Consequentemente, a consciencialização desta Unidade, em si própria, confere ao homem uma imensa responsabilidade perante a Natureza, suas Leis e Evolução.
A PERSPECTIVA HOLÍSTICA deverá ser encarada como a experimentação, pelos homens e pelas mulheres do mundo de hoje, do início de uma vasta transformação cultural fundamental, que se poderá pôr a par de outras fundamentais revoluções culturais da Humanidade na sua Evolução, através dos milénios, neste Planeta, tais como:


* o ponto de libertação da mão e do cérebro no homem;
* a descoberta do fogo, seu domínio e utilização;
* a passagem do nomadismo ao sedentarismo – a Agricultura;
* a invenção da escrita – a História;
* o antigo polo civilizacional da Índia;
* o antigo pólo civilizacional do Egipto;
* os antigos pólos civilizacionais Helenístico e Romano;
* Gautama, o Buddha e a sua mensagem reformadora no Oriente;
* Jesus, o Cristo e a sua mensagem reformadora no Ocidente;
* a Revolução Industrial do século XIX e as suas consequências;
* a aproximação Holística.

Esta nova descoberta irá consequentemente provocar transformações radicais na ordem estabelecida anteriormente e surgirá então uma NOVA CULTURA.
A APROXIMAÇÃO HOLÍSTICA apresenta-se como um fio condutor que unirá, unificará e reunirá as várias ciências e filosofias num novo movimento com uma nova e consequente dinâmica de intervenção ao nível dos conceitos e das práticas de concepção do mundo.
A política, a economia, a tecnologia mudarão de carácter e mudará igualmente a relação de dependência Norte/Sul, do Ocidente em relação ao Terceiro Mundo, em última análise, mudarão as relações que os homens estabelecem entre si e entre o Universo.

Holismo, é portanto, um neologismo que se poderá identificar com uma perspectiva globalizante da Vida numa visão macroscópica, sistémica e ecológica. Em última análise, e focando uma realidade Teosófica, há que forçosamente o relacionar com a visão Unitária da Vida e do Homem, em que nada se encontra desligado e ou separado de nada, interpenetrando-se os conceitos, os átomos e as acções do e no quotidiano… Conceito relativamente recente nos meios científicos e culturais, tem em si subjacentes as ideias de integração, de totalidade, numa perspectiva abarcante de toda a realidade humana que faz parte integrante das nossas relações quotidianas, enquadradas pela Natureza e pela Cultura – duas faces da mesma moeda…
Num enfoque do macro-social passamos do modelo reducionista economicista para um outro modelo totalmente novo onde a complexidade da relação humana e da sua actuação equilibrada no Cosmos acontece e se desenvolve harmoniosamente. Afinal existe uma alternativa de Intervenção para o Homem! E esta aparece através do diálogo e da mudança, através da Ecologia, da Física, da Filosofia, da Biologia… Através da tentativa de construção séria e responsável de um mundo novo, de um homem novo, que se quer dinâmico e não-dogmático e necessariamente em transformação e em evolução contínuas. A Nova Era, onde a Fraternidade poderá efectivamente ser alcançada e vingar no espírito e na acção dos homens de boa-vontade.
Estarão, contudo, criadas as condições para o aprofundamento desta relação nova que aproxima inevitavelmente a parte e o todo? Entre mim e a flor à minha frente constitui-se, forma-se, existe uma Vida Única e Una – talvez esteja aqui a chave da nova relação transformante e transformadora…
Holisticamente, causa e efeito não são opostos, mas constituem um todo indivisível, reflectido na percepção individual que emerge com uma nova consciência, abarcando o Universo na sua totalidade… Será deste pressuposto que terá de brotar uma nova atitude face à Realidade e às relações humanas, complexas por natureza, quotidianamente implementadas nos vários níveis e sectores da intervenção social, cultural, científica… e durante as próprias actividades comezinhas do dia-a-dia… Mas, repito, haverá condições para aprofundar verdadeiramente a relação profunda que existe entre a parte e o todo? Entre o observador e o observado? Entre mim e a flor está a Vida Una, o Todo Indivisível, mas quiçá oculto porque ainda não despertei para a Percepção Total… onde a Voz do Silêncio e o Cântico da Criação vibram em Uníssono.
Entretanto não será de ir acompanhando o Professor Agostinho da Silva quando ele vai “Com mais gosto do paradoxo do que do ortodoxo ou do heterodoxo, tão adverso e semelhante companheiro deste último.”?…

Rui Arimateia / "Textos Teosóficos IV"
Évora / Ramo "Boa-Vontade" da Sociedade Teosófica de Portugal

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Luz


A VIDA, A MORTE, A TRANSFORMAÇÃO

Há mais de sete séculos, o poeta e místico Sufi Rumi escreveu algumas linhas de uma beleza espantosa, fazendo-nos recordar de um outro tempo e de um outro espaço diferente daquele em que nos situamos, no curre-curre da nossa vida moderna:

É tempo de falarmos de rosas e de romãs,
E do oceano onde as pérolas são feitas de
Linguagem e de visão,
E das invisíveis ladeiras
Diferentes de pessoa para pessoa,
Que conduzem àquele ponto infinito
Onde as árvores murmuram entre si…



Poema que remete para a importância da experiência mística… Utiliza uma imagética alheia à nossa cultura actual. Faz acordar uma memória oculta no mais profundo de nós.
Mas, o que será realmente relevante nas nossas vidas de hoje? [além de lermos, trabalharmos, desocultarmos poesia!?]
A poesia de Rumi desoculta-nos um outro mundo, pleno de beleza, de significado, de maravilha e mistério.
É tempo da sensibilidade e do afecto substituírem a arrogância e a boçalidade. O estado amoroso seja o natural do ser humano e não o estado de conflito e do ódio.
Rumi dá-nos pistas de vivências de outras dimensões, mesmo ao nosso alcance. Assim possamos abrir os olhos e estender a mão partilhando a dádiva da rosa e da romã…
Paz a todos os Seres!

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O Pensador


VIRGÍLIO FERREIRA SOBRE A CULTURA

20- Janeiro (domingo). (...). [1980]
(...).
Afinal, quantas pessoas se interessam pela cultura?, se põem o problema da vida?, do homem?, se põem a interrogação sobre o que nos rodeia? É um erro tocante o imaginar-se que as pessoas cultivadas se interessam pela cultura. A cultura não vem nos livros, nem nos cursos, nem nas salas de conferência, espectáculos, exposições com uísque ou a seco. A cultura é um problema que tem que ver com os nossos cromossomas e tem a dimensão secreta, oculta, privada, íntima, de uma vivência sagrada.

Vergílio Ferreira
in CONTA-CORRENTE 3, Bertrand Editora, Lisboa, 1983

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Pax Profunda


A LENDA DO PELICANO SEGUNDO LEONARDO DA VINCI

É na lenda do Pelicano que a Vida e a Morte se encontram, ou melhor nos fazem compreender que são afinal as duas faces de uma mesma moeda...

Quando o Pelicano partiu em busca de comida, uma serpente, escondida entre os ramos, começou a mover-se na direcção do ninho.
Os pequenitos dormiam, tranquilos.
A serpente aproximou-se e, com um lampejo malvado nos olhos iniciou a matança. Uma mordidela venenosa a cada um, e os pobrezinhos passaram imediatamente do sino à morte.
Satisfeita, a serpente, voltou ao seu esconderijo, para desfrutar o regresso do pelicano.
Com efeito, daí a pouco, a ave voltou. À vista daquela matança, começou a chorar, e o seu lamento era tão desesperado que todos os habitantes da floresta o escutavam comovidos.
– Que sentido tem agora a minha vida sem os meus filhos? – dizia o pobre pai fitando os pequenitos.
– Quero morrer também!
E com o bico começou a dilacerar o peito, mesmo sobre o coração. O sangue borbotou logo da ferida, banhando os filhotes mortos pela serpente.
Mas, de repente, o pelicano, agora moribundo, estremeceu. O seu sangue quente havia dado nova vida aos filhos; o seu amor ressuscitara-os. E então, feliz, expirou.

Leonardo da Vinci, “Lendas”, H.13 r.


PAX PROFUNDA.`.

terça-feira, 5 de maio de 2009

O Pelicano e a Esfera em Pedra


S. Francisco de Évora

A PEDRA ANGULAR

A pedra angular é, na terminologia simbólico-maçónica, a base fundamental dos edifícios. Todo o edifício terá a sua pedra fundamental. O nosso corpo, a nossa sensibilidade, a nossa mente, a nossa intuição enquanto edifícios construídos ao longo da nossa vida terrena - a que conhecemos minimamente - todos eles têm a sua pedra angular.
A estabilidade de um edifício depende da colocação equilibrada e correcta daquela pedra! Olhemos em nós e rebusquemos no nosso interior em demanda das nossa pedras fundamentais. Procurar ver se foram bem talhadas e se estão colocadas no devido local do nosso imenso edifício vital.
Segue-se uma história contada por Daniel BeresniaK. Ela fala-nos sobre a construção de um edifício e sobre a escolha da pedra angular desse edifício pelos doutos mestres-pedreiros. No fundo esta história serve para colocar a questão sobre quem estará mais preparado para contribuir para a construção e escolha da pedra angular - o aprendiz ou o mestre? E o que é ser aprendiz ou ser mestre? Passemos então à sua leitura e reflexão:


E a pedra recusada pelos construtores tornou-se a pedra angular

«Àquele que bate à porta dos construtores excelentes, é pedida uma prova da sua qualificação. Assim, o suplicante submete com humildade a sua obra aos oficiais guardiães desta Câmara de Excelentes. Esta obra , é uma pedra talhada, a imagem de si próprio, projecção mineral da sua entidade invisível, conquistada e percebida em geometria.
Os Guardiães examinam a pedra, voltam-na e tornam a voltá-la, julgam-na segundo as normas do saber de que são os depositários e por fim rejeitam-na. A pedra não está conforme. Ela não tem o seu lugar no edifício em construção e é arremessada para o refugo.
De cabeça baixa, envergonhado, o autor desta pedra falhada não opõe senão o silêncio aos sarcasmos de desprezo e às críticas pontificantes. Ele perturbou a reunião dos arquitectos. Foi rejeitado. Mas, no instante preciso em que ele ia ser posto para fora, a chegada do Mestre Arquitecto, autor do plano geral do edifício, é anunciada. Não há mais tempo para abrir a porta a fim de expulsar o intruso, pois poderia encontrar-se face a face com o Mestre Arquitecto e ofender a sua visão. Rapidamente, o intruso é dissimulado por entre os refugos do estaleiro da construção e a douta assembleia faz entrar o Mestre Arquitecto, com as honras devidas à sua posição. O Mestre Arquitecto, depois de se ter deixado honrar segundo os usos, anuncia que a construção do edifício está a chegar ao fim e pergunta se o fecho de abóbada já foi talhado. De seguida, após ter escutado por um instante o silêncio embaraçado da assembleia, o Mestre anuncia aos oficiais guardiães que essa pedra existe e que convinha procurá-la.
Todos procuram, mas não a encontram. Então, o Mestre Arquitecto dirige-se em direcção aos refugos, onde ainda ninguém tinha procurado. Descobre o fecho de abóbada por entre a pilha de pedras rejeitadas. Examina-a e julga-a perfeita.
Esta pedra, diz ele, é aquela que felizmente concluirá o edifício; é aquela que ele esperava e com a qual ele sonhava desde o início da obra. Diferente das outras, é por ela que as outras se segurarão e é por ela que as outras foram talhadas. Como é possível que ela tenha sido rejeitada? E contudo assim o deveria ter sido porque a construção durou tempo demasiado. Os construtores perderam de vista o sentido e a finalidade do seu trabalho. Instalaram-se nos seus hábitos. A repetição dos gestos embotou-os mentalmente: confundiram o fim com os meios, esqueceram o essencial, fizeram passar por normas absolutas as normas relativas nas fases transitórias. Terrível falta contra o espírito, pecado fundamental, eis aquilo portanto em que os oficiais guardiães desta douta assembleia se tornaram culpados.
“Como se poderá construir – clama o Mestre Arquitecto – se projectamos o presente no futuro, se somos incapazes de conceber outra coisa do que aquilo que já existe?”
Depois de ter esmagado a assembleia sob o peso da sua justa cólera, o Mestre Arquitecto ordena que lhe apresentem o autor da pedra há tanto tempo esperada. Os Oficiais Guardiães trazem respeitosamente para fora da pilha de refugos, aquele que tinham condenado e por detrás da qual eles o haviam dissimulado. O Mestre Arquitecto abraça-o e lhe torna a entregar o malhete, signo de autoridade, o qual não deverá ser confiado senão ao verdadeiro detentor de um saber-fazer, sob pena de desordem prejudicial ao edifício.
– Tu presidirás a fase mais delicada da construção – diz-lhe o Mestre.
– Somente tu és qualificado para o fazeres, porque és o autor da pedra única, a do ângulo. A tua obra é aquela pela qual o desafio que lancei às leis da gravitação será vitoriosa. Somente tu, aqui, és digno do título que transporto. Assim que tiveres colocado a tua pedra, conceberás o plano de um outro edifício, mais belo, mais forte e maior do que este.»

(in "Le “gai savoir” des bâtisseurs", por Daniel BERESNIAK, Éditions Détrad,2ème Édition,Paris,1986)

Rosa da Tradição? Ou Tradição da Rosa?



Uma rosa

UMA TRADIÇÃO DESAPARECIDA - A FESTA DA ROSA

São muitas as tradições de caráter sagrado que permaneceram em Évora por longos e longos séculos. Desde as tradições ligadas com o megalitismo, com as manifestações mais arcaicas de religião, passando progressivamente, e muitas vezes em simultâneo, pelos Romanos, Árabes Judeus e Cristãos, olhamos estas formas hieráticas de intervir no e com o quotidiano, como formas inventadas e usadas pelos nossos ancestrais para sobreviverem... Os rituais por vezes escondem práticas religiosas de muitas centenas de anos de duração... Eis uma tradição de Évora no mínimo curiosa:

«No Domingo da Santíssima Trindade (26 do corrente mês de Maio) há-de celebrar-se na igreja do Paraíso, em Évora, a denominada Festa da Rosa.
É costume anual benzer ali, solenemente, as rosas, que são dedicadas e oferecidas a Maria Santíssima Mãe de Deus, debaixo do título do Rosário.
Os devotos aproveitam-se então das rosas assim benzidas, e as costumam depois guardar para vários usos medicinais. Devoção louvável, que tem por fundamento uma pia tradição.»

in «O Transtagano», N.º108, Elvas, Domingo, 12 de Maio de
1861

domingo, 3 de maio de 2009


Torre da Catedral de Évora

JOSÉ SARAMAGO EM ÉVORA

Texto de José Saramago sobre Évora. Bem merece ser recordado de quando em quando.

"O mais surpreendente será pensarmos que uma tal beleza começou por não existir. O lugar estava ali, estava ali a colina, o monte, a altura desafogada de onde os olhos poderiam abraçar um vasto horizonte, tão vasto que mais parecia estar a planície a empurrá-lo até ao infinito. Apesar de perto correr uma ribeira, daquelas que sempre atraíram e depois fixaram a morada dos humanos para lhe oferecer o alimento e o refresco do corpo, esta colina, que um dia viria a receber o mágico nome de Évora, só teve para dar, durante anos e anos sem conto, a mesma humildade de quantas a rodeavam – ser atalaia de pastores e mirante de viajantes perdidos à procura de um caminho. O destino dos lugares, porém, é como uma carta fechada à espera do gesto único que um dia a dará a conhecer. De quem fosse, a quem tivesse pertencido a mão que pela primeira vez veio colocar uma pedra sobre outra pedra na falda do monte a fim de construir um abrigo de vivos ou levantar uma casa de mortos – não se sabe. Nem nunca se saberá. Os primeiros homens e mulheres que escolheram para viver a colina de Évora não tinham para enterrar solenemente um cofre de prata ornado de cabochões com a acta da fundação da cidade que ainda haveria de ser, mas a memória da sua passagem por este lugar do mundo, se a soubermos procurar aparecer-nos-á tão viva como a presença do zimbório da Sé, que de tantas destas ruas se espreita. Algum vestígio dessas mulheres e desses homens primitivos perdurará ainda por aí, alguma fina poeira, algum entalhe na mais velha de todas as pedras, algum suspiro cansado que o ar naqueles dias recolheu e que a Évora constantemente retorna quando os ventos mudam. Diz-se que a história certificada é só aquela que tiver sido passada a escrito, mas a história autêntica da colina de Évora e das suas cercanias, a história que não teve ninguém que a descrevesse, mas que nem por isso foi menos substancial, essa história ilegível, inscrita na superfície do tempo, é o alicerce mais profundo sobre o qual se edificou, destruiu e tornou a edificar a cidade. Até hoje.
O próprio topónimo, Évora, quando o pronunciamos, quando nos detemos a escutá-lo, ressoa na nossa boca e nos nossos ouvidos como a memória de uma voz arcaica. [...] Curioso vocábulo, este. Se efectivamente foram os celtiberos que puseram o nome de Ebora à cidade e se, neste caso, a aparente filiação etimológica é algo mais do que uma ocasional coincidência, então haverá motivo para que nos perguntemos por que a teriam nomeado eles com uma palavra de raiz latina, pois que eboraria é a arte de esculpir o marfim, eborário o artista que o marfim trabalha, ebóreo o que de marfim é feito. Honra e gratidão, portanto, ao ignoto profeta, ao bruxo celtibero que leu o futuro e foi o primeiro a saber que uma cidade chamada Évora se tornaria, com o tempo, tão preciosa como o marfim.
[...].
Porque Évora é principalmente um estado de espírito, aquele estado de espírito que, ao longo da sua história, a fez defender quase sempre o lugar do passado sem negar ao presente o espaço que lhe é próprio, como se, com o mesmo olhar intenso que os seus horizontes requerem, a si mesma se tivesse contemplado e portanto compreendido que só existe um modo de perenidade capaz de sobreviver à precaridade das existências humanas e das suas obras: segurar o fio da história e com ele bem agarrado avançar para o futuro. Évora está viva porque estão vivas as suas raízes."

in:"Évora - Património da Humanidade", Eduardo Gageiro/José Saramago, Ed. Câmara Municipal de Évora, 1997.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Évora em Movimento...


Curvas junto à Praça do Giraldo.

APRENDER A SER... EM LIBERDADE

Todo o aprender é comunicar!
Comunicar é: estar em relação com, agir. Partindo do pressuposto de que basta estarmos presentes para estarmos a agir e, por assim dizer, a comunicar: é impossível não comunicar. A comunicação não tem antítese. Estamos constrangidos a comunicar seja qual for o tipo de comunicação que se estabeleça com o outro no quotidiano: verbal ou não-verbal, pela palavra ou pelo silêncio. O compromisso da relação encontra-se sempre presente.
Em termos pragmáticos põem-se ao homem de hoje duas questões fundamentais: o que é aprender? E, quando se aprende?
Lembremos as inspiradas e inspiradoras de Goethe, quando afirma:

“Quando se pensa em formar as crianças para uma vida mais ampla é fácil empurrá-las para o infinito, sem ter presente o que verdadeiramente lhes pede a própria natureza.
O indivíduo é muito senhor de se ocupar com aquilo que o atrai, com aquilo que lhe causa alegria, com aquilo que lhe parece útil; mas o estudo mais essencial à humanidade é o homem.”

Para permitir uma autêntica aprendizagem da Vida, através da relação e da experiência teremos de Ter em conta três importantes vectores: a Liberdade, a Aventura, a Unicidade.
Liberdade porque só o homem autenticamente livre poderá aprender ou ensinar a ciência da relação e da interrelação humana. Aventura, porque ser livre e querer aprender pode considerar-se hoje um desafio, uma autêntica Demanda, em que o homem terá de encontrar o Caminho através do Labirinto de si próprio e da sociedade onde se encontra frequentemente encerrado. Unicidade porque será a Unidade de Vida o fim último de toda a aprendizagem humana, no sentido de que Unicidade significa conferir ao homem uma visão global da Vida, olhando o outro e os outros enquanto sujeitos, enquanto pertencentes legitimamente ao mesmo Todo, do qual ele próprio faz parte integrante.
Todo o processo vivencial de experimentação em relação, permitirá, em última análise, ao homem, evoluir e assumir a sua espiritualidade mais autêntica, ocasionando simultaneamente a sua auto-expressão. Caso contrário esta permanecerá “enegrecida” pelo medo, pela limitação e pelo condicionamento, agentes-travão da experiência, da vivência e causadores de conflito.
No quadro social que conhecemos e em que estamos mais ou menos inseridos, a Escola encontra-se divorciada da Vida, funcionando aquela instituição tão só como agente de domínio e repressão, permitindo e viabilizando toda a reprodução da ideologia dominante, limitadora e castradora das vivências e do autoconhecimento do indivíduo.
A Escola deveria ser um espaço de disponibilidade. Só que esta disponibilidade de relação deveria conferir ao educador a humildade suficiente e necessária para, também ele, aprender, para melhor poder ensinar.
A Escola, a Educação e a Família tradicionais assentam no pressuposto de que existem sujeitos – detentores da palavra, do saber – e “objectos” ou “meio-sujeitos” que pretendem (possuem esse direito) ter o direito à palavra e ao saber, encontrando-se à partida desprovidos de ambos.
No momento actual o “saber” cristalizou, a palavra já não é detentora de criação, a relação sujeito-objecto estabelecida substituiu a relação entre sujeitos, a vivência estagnou, a experiência rotinizou-se, a Escola e a Sociedade encontram-se em ruptura – afinal as premissas onde os esquemas tradicionais se baseavam estavam erradas!...
É neste quadro social que a Integração e o holismo (ou perspectiva holística) aparecem. Fora do Tempo, introduzindo novas formas de relação humana – apresentando o Homem Novo e um Novo Humanismo como alternativa – onde a totalidade e a unicidade da Vida são fundamentais. O Homem é livre para Ser e daí advém a enorme responsabilidade do autoconhecimento.
Afinal o indivíduo só existe e só se realiza, enquanto ser humano, em relação, relação essa que, para ser realmente libertadora e transformante, terá que se construir conscientemente pelos próprios sujeitos intervenientes e autores da comunicação.
Afinal, “O problema do mundo é fundamentalmente o da compreensão nas relações humanas. Os homens têm de descobrir e compreender a sua unidade fundamental”.


Rui Arimateia / "Textos Teosóficos III"
Évora / Ramo "Boa-Vontade" da Sociedade Teosófica de Portugal