domingo, 10 de maio de 2009

BALADA DE ÉVORA

Évora aberta à lua plana
Do trigo seco nas almearas,
Árabe, Gótica Romana
Mostrando a pedra esconde as caras.

E vai, vogada nos muros
Como uma barca contra o vendo,
Abrindo os ângulos escuros
A amores de légua num momento.

Tão sossegada na cal branca,
Lá degolada, já sem forças,
Traz setas de palha na anca
Como um galope de corças.

Olhai o verde limoeiro
Que seios abre nos seus poços!
E o pelicano e a camaroeiro
Timbrando as naves cheias de ossos.

Pálida moça, tão berbere
Nas horas duras do rescaldo!
Há sempre um jovem que a prefere
Com ousadias de Geraldo.

Nocturno, na esteva quente,
O ar das eiras a enevoa:
Évora corre à nossa frente
Como o perfil de uma pessoa.

Uma arreata de pelicos
Lá guia os porcos ao montado:
Tempo que fez celeiros ricos
A fronte de Évora o tem suado.

Ó torre dos coruchéus
Não olhes tanto os montes tristes!
Évora, freira sem véus,
Tão erma ao sol, como resistes?

Calada em campo de azinho
Qual a lisonja em seu escudo,
Só da cegonha resta o ninho.
Quem viu Évora esqueceu tudo.

Poema de Vitorino Nemésio

Sem comentários: