terça-feira, 22 de setembro de 2009

complexidade no movimento


fractal

A TEOSOFIA E O QUOTIDIANO

Dizia Almada Negreiros que “Quando eu nasci, as frases que hão-se salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa – salvar a humanidade”.
Com a Teosofia, com a Sageza Universal, passa-se uma coisa semelhante – a Sua essência é a mesma após milénios de evolução espiritual humana. O que foi transmitido pelas Vedas, pelo Tao, pelos Upanishads, pela Kabala, pelo Talmude, pela Bíblia, pelo Corão, etc., etc., etc., poderá ser sintetizado pelas palavras de Mestre Jesus, o Cristo, no Evangelho Segundo São João, XIII-34:

“Um mandamento novo eu vos dou: amai-vos uns aos outros.
Como eu vos amei, vós também amai-vos uns aos outros.”

A Sabedoria Antiga tem sido transmitida em círculos mais ou menos fechados ao longo de eras, até H. P. Blavatsky a ter divulgado aos homens e às mulheres do Século XIX, através da publicação da sua obra teosófica, nomeadamente “A Doutrina Secreta”. Esta sua obra de cariz erudito, marcou realmente o mundo numa época em que a Ciência e a Religião estavam em choque, em grande confrontação, situadas em campos inconciliáveis.
A “Doutrina Secreta” veio dar ao mundo uma nova perspectiva de filosofia, de ciência e de religião. Veio oferecer uma visão sintética e completamente nova que marcou fortemente o pensamento do Séc. XX.
Contudo, se a Doutrina Secreta era oferecida ao mundo, outros escritos eram reservados para círculos de estudantes mais restritos, tal como o foi a colectânea de máximas denominada por “The Golden Stairs”, que H. P. Blavatsky (Collected Writings, XII, p.591) nos legou para que mais directamente pudéssemos compreender a importância, a dificuldade mas também a Possibilidade de percorrermos o Caminho da Sageza e da Libertação.
Diz-nos esse pequeno texto, constituído por treze máximas espirituais que a transformação do mundo começa unicamente e tão só em nós… Observa a Verdade diante de ti:

1. Uma vida limpa,

2. Uma mente aberta,

3. Um coração puro,

4. Um intelecto sedento,

5. Uma clara percepção espiritual,

6. Uma fraternidade universal,

7. Uma prontidão para dar e receber conselho e instrução,


8. Um leal sentido do dever perante o Mestre,

9. Uma firme obediência ao serviço da Verdade [uma vez nela colocada a nossa confiança, e acreditando que dela o Mestre é possuidor],

10. Uma corajosa perseverança da injustiça pessoal,

11. Uma valorosa declaração de princípios,

12. Uma destemida defesa daqueles que são injustamente atacados,

13. E uma constante vigília do ideal da progressão humana e da perfeição [retratadas pela Ciência Secreta (Gupta-Vidya)].

Estes são os Degraus Dourados para o alto dos quais todo o aprendiz poderá subir em direcção ao templo da Sabedoria Divina. Se os aprendizes da Vida e da Teosofia que afinal todos somos, formos capazes de apreender a mensagem ética subjacente naquelas palavras simultaneamente de inspiração e instrução.

O primeiro degrau dessa Demanda começa em nós.

Deus, Vida, Atman, o fim último da Iniciação, a Luz, o Grande Arquitecto do Universo, Aquilo-que-se-quiser-chamar… Aquela Realidade inefável mas adivinhada, tão procurado, tão aspirada, reside, de facto, em nós próprios.
Como é afirmado no Chandogya Upanishad (1) (III-14): “Este Atman que reside no coração, é menor que um grão de arroz, menor que um grão de cevada, menor que um grão de alpista; este Atman, que reside no coração, é ao mesmo tempo, maior que a Terra, maior que a atmosfera, maior que o céu, maior que todos os mundos reunidos.”
Também Paracelso o afirmou. “Trazemos em nós o centro da natureza.”
Cada um de nós é realmente um centro, um misto de físico e de espiritual, que efectua a ligação do Céu à Terra, através da nossa própria escada mística, mais ou menos conscientemente, com mais ou menos intensidade, mas em contínua evolução, em permanente busca, onde impera o sofrimento ou a felicidade, a paz ou a guerra, o amor ou o ódio, ou então achamo-nos subitamente num estado onde não é possível encontrar quaisquer referências para se compararem os complementares, para se olharem as contradições, para se apontarem os conceitos antagónicos, é através desse estado, é através desse insight, como diria Krishnamurti, que acontece a autêntica percepção da Totalidade, no sentido da autêntica consciencialização da Unidade, da Vida e da Morte.
A Busca, a Demanda, autênticas, são Solidão... mas são igualmente estados de União e Comunhão. Ao nível da relação humana e da relação do Homem com o Universo, nos estados de consciência atrás referidos, não existem um sujeito e um objecto separados e isolados um do outro, não existe a separatividade ilusória, mas onde a cada um é conferido (implícita e objectivamente) um Estatuto de Ser e de Ser dotado de Palavra simultaneamente Criadora e Libertadora...
A Lei das Complementaridades, a ilusória Lei das Dualidades, mais não são do que a manifestação de uma Unidade Inefável.

A Teosofia aplicada à vida quotidiana é afinal viver de acordo com os ditames da Natureza, esta sim suma criadora de tudo quanto existe, vibra, movimenta, pensa, sente e é! A Unidade da Vida é a palavra-chave para a compreensão e vivência da Sabedoria Divina.
Paz a todos os Seres!


Nota:
(1) Os Upanishads, livros de carácter sagrado que, na Índia, são comentários explicativos dos Vedas.

Rui Arimateia
“Textos Teosóficos XIII”
Évora Ramo “Boa-Vontade” da Sociedade Teosófica de Portugal

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

a cruz e a rosa


Tomar

INITIATIO

sagrado é o momento
sagrada é a poesia a profetiza

vencendo a face sombria
da recusa
e do inabitável

que o existir é a visão e o véu

oh Antigo quem viu a tua Face?

Inominável
tu porque és o Nome


sagrado é o momento
sagrada é a poesia

a cada dia a rosa
de uma iniciação

Beatriz Serpa Branco, in “A Face e as Sombras”, Évora, 1969

sábado, 19 de setembro de 2009

O que está em cima é igual...


O ENCOBERTO

Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.

Que símbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Cristo.

Que símbolo final
Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.

Fernando Pessoa, Mensagem

Rosa é Luz


O QUE É A ROSA?

descobri na igualdade do silêncio
o sono e a morte iguais

um íntimo existir em outros reinos

desses reinos
perdidos
só temos os sinais

proféticos sinais
de sonho e mito
que alcunhamos de lenda e fantasia

sinais


será que a rosa é só rosa
ou há na rosa outra rosa
além da rosa que havia?


Beatriz Serpa Branco,
in “A Face e as Sombras”, Évora, 1969

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Fazer desabrochar a rosa...


O LUGAR DA RELIGIÃO NO MUNDO ACTUAL

“Não vivas no presente nem no futuro, mas sim no eterno. (…).
Cresce como cresce a flor, inconscientemente,
mas ardendo em ânsias de entreabrir a sua alma à brisa.
Assim é como deves avançar: abrindo a tua alma ao eterno.”

– Mabel Collins

“Vós sois o mundo e o mundo sois vós.
A vossa consciência é a consciência da humanidade.
Pois que todos os homens são semelhantes, têm os mesmos medos, a mesma dor, os mesmos sonhos de felicidade, os mesmos conflitos interiores, a mesma solidão.
O vosso sofrimento é o sofrimento da humanidade.”

– Krishnamurti


Ao tratar este tema sobre o “Lugar da Religião no mundo actual” gostaria de referir que o abordarei sob uma perspectiva Teosófica e considerando, à partida, a TEOSOFIA enquanto uma Ética Universal, que me permitirá olhar o lado luminoso da RELIGIÃO-SABEDORIA, que não é apanágio nem pertença de nenhum povo eleito, de nenhum poder constituído, de nenhum sacerdote, de nenhuma igreja…

O grande lema da Sociedade Teosófica, e que me tem acompanhado desde a primeira vez que com ela contactei é: “Não há Religião Superior à Verdade.” Verdade aqui que procura ser a tradução aproximada da palavra sânscrita “Dharma”, que significará também “Dever”, “Lei”, “Virtude”, “a essência da Religião, da Filosofia e da Ciência”… Esta pequena frase resolveu-me o problema da “autoridade” em Teosofia e na Sociedade Teosófica. Problema esse que os próprios textos de H. P. Blavatsky e de outros Teósofos como C. W. Leadbeater e Annie W. Besant também focavam e alertavam.
“Faz o que tens a fazer e sê aquilo que és… – dizia C. W. Leadbeater a um “buscador do oculto” – não dês importância a atitudes marcadamente convencionais, sê tu próprio… o que as pessoas pensam ou dizem acerca de ti, aprovando ou desaprovando as tuas acções, é indiferente para o teu real desenvolvimento… não creias em nada que não experimentes e não comproves por ti próprio e em ti próprio…”.
Eticamente a “autoridade” teosófica, no fundo, reside na experiência e na vivência de cada um de nós. Reside na possibilidade e na capacidade de cada qual viver a Teosofia na vida do dia-a-dia.
Atentemos a parte da Comunicação da Presidente Annie Besant à Convenção Anual da Sociedade Teosófica que teve lugar em Adyar a 24 de Dezembro de 1932 (1), dizia ela, com a firmeza habitual que a caracterizava como oradora, não obstante já bastante fisicamente debilitada pela doença:
“Amigos, o assunto que eu vos quero a todos hoje transmitir firmemente, é de que somente enquanto viverdes a Teosofia podereis propagar a Teosofia. Não são as nossas palavras, é a nossa vida, que afecta as pessoas. E eu quero que cada um de vós, e todos quantos tiverem influenciado, se lembre que o homem que vive uma vida Teosófica é o melhor propagandista das ideias Teosóficas. As nossas palavras não influenciam tanto as pessoas quanto as nossas vidas; se as nossas vidas não forem egoístas, se forem puras, amorosas e auxiliadoras, serão a melhor propaganda das ideias Teosóficas; porque não é bom falar de Teosofia a menos que vivamos aquilo que falamos. (…). Não importa o discurso de uma pessoa, são as suas acções que interessam e importam. (…).”

Na verdade a Humanidade é Una, sendo que a capacidade de apreensão e compreensão dos problemas da Vida e da Morte reside no interior de cada um de nós. Nós temos a total Liberdade para viver e para problematizar essa Vida que vivemos, que está em nós e à volta de nós, que esteve antes e que se prolongará após o nosso desaparecimento nesta existência.
Também J. Krishnamurti, o grande lutador pela liberdade da consciência individual e pesquisador sincero na procura do Autoconhecimento, nos alertava:
“Amigo, quem pensais que eu sou? Se eu disser ‘sou o Cristo’, criareis uma outra autoridade, Se disser ‘não sou’ criareis também uma outra autoridade. Pensais que a Verdade tem algo que ver com o que vós julgais que eu sou? Não vos preocupais com a Verdade e sim com o vaso que contem a Verdade. Não quereis beber das águas, mas quereis verificar quem modelou o vaso que as contém. Amigo, se eu vos disser que ‘eu sou o Cristo’ e um outro vos disser que ‘não sou’, – com quem estareis? Ponde de parte o rótulo, pois este não tem valor. Bebei da água se a água está limpa: eu vos digo que possuo essa água limpa; tenho esse bálsamo que purifica, que grandemente curará; e se me perguntais: ‘quem sois?’ – SOU TODAS AS COISAS, POIS SOU A VIDA.”.

Sobre a relação entre Teosofia e Religião recorro-me do texto clássico da autoria de H. P. Blavatsky, “A Chave da Teosofia” (2), que afirma a dado passo:
“Todos os homens têm espiritual e fisicamente a mesma origem, e é este o ensinamento fundamental da Teosofia. Sendo a humanidade fundamentalmente de uma única e mesma essência, e sendo essa essência una – infinita, incriada e eterna, quer lhe chamemos Deus ou Natureza –, não há nada que possa afectar uma nação ou um homem que não afecte todas as outras nações e todos os outros homens. (…). Quando se conseguir levar o homem a compreender que nenhuma das religiões é detentora de toda a verdade, que todas elas são mutuamente complementares, e que só é possível encontrar a verdade total conciliando todos os pontos de vista depois de se separar o que cada uma delas tem de verdadeiro daquilo que é falso, então poderá falar-se de verdadeira fraternidade em religião. (…) a Teosofia é a essência de todas as religiões e da verdade absoluta, sendo cada credo apenas uma pequena gota dessa mesma essência. (…).”

É por este motivo que o segundo objectivo da Sociedade Teosófica é tão importante: “Promover o estudo comparativo das Religiões, Filosofias e Ciências.”
Contudo o papel da Teosofia e dos Teósofos pretende ir muito mais longe, daí que seja o primeiro objectivo da Sociedade Teosófica o que mais importa: “Formar um núcleo de Fraternidade Universal da Humanidade, sem distinção de raças, sexo, casta ou cor.”

É importante relembrarmos o depoimento que H. P. Blavatsky referia numa Mensagem endereçada aos Teósofos Americanos, no Congresso de 1888 da Secção Americana da Sociedade Teosófica (3):
“(…). Numerosos são os que, não tendo nunca ouvido falar da Sociedade, são contudo teósofos, sem o saberem, porque a essência da Teosofia consiste na harmonização perfeita do divino e do humano no homem, na adaptação das suas qualidades e das suas aspirações divinas e no seu triunfo sobre as paixões animais ou terrestres. A bondade, a ausência de todo mau sentimento e de todo o egoísmo, a caridade, a boa vontade perante todos os seres, e a justiça perfeita perante os outros como perante nós próprios, são as características capitais. Aquele que ensina a Teosofia, prega o evangelho da boa vontade; e o inverso também é verdadeiro: quem pregar o evangelho da boa vontade, ensina a Teosofia. (…). A função dos Teósofos é a de abrir o coração e a compreensão dos homens à caridade, à justiça e à generosidade, atributos que pertencem especificamente ao reino humano e são naturais ao homem quando ele tiver desenvolvido as qualidades de um ser humano. A Teosofia ensina ao homem animal tornar-se um homem humano; quando os seres tiverem aprendido a pensar e a sentir como os verdadeiros seres humanos deveriam sentir e pensar, então eles agirão com humanidade e todos cumprirão espontaneamente obras de caridade, de justiça e de generosidade.(…)”

Solidariedade, Fraternidade, Bondade, Justiça, Humildade, Altruísmo, Liberdade, Generosidade, Igualdade, Caridade, Verdade, Responsabilidade, Pureza, Boa-Vontade, Ética, Amor… estas qualidades humanas, de grande valor espiritual, deveriam inspirar de tal maneira a RELIGIÃO que não pairasse sobre ela qualquer sombra de egoísmo, qualquer dúvida do caminho a seguir em prol da Humanidade e da VIDA UNIVERSAL.

Afinal a mensagem última de todas as grandes Religiões conhecidas poderá ser sintetizada por um curto discurso atribuído a Jesus o Cristo e que encontramos esplendidamente reproduzida no Evangelho de São João:

«Este é o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que o daquele que dá a vida pelos amigos. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos ordenei. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor: chamei-vos amigos, porque vos manifestei tudo o que ouvi de meu Pai. Não fostes vós que escolhestes a mim; fui eu que escolhi a vós e vos constituí, para que vades e produzais fruto e para que o vosso fruto seja duradouro, a fim de que tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda. Isto eu vos ordeno: que vos ameis uns aos outros.»(4)

A grande questão que tentaremos abordar neste Seminário é a seguinte:
– Terão os homens do Século XXI capacidade para pôr em prática os ensinamentos da RELIGIÃO-SABEDORIA que lhes têm vindo a ser transmitidos ao longo de séculos e séculos?
Acorrentado pelo egoísmo e sobrevalorizando o pequenino “eu”, o homem comum “organizou” o quotidiano a seu modo e à sua medida, à medida dos seus interesses, aprisionou-o com sistemas de valores, com tradições, com ideologias e religiões, escamoteando a Realidade do que É. Contrapôs a religião-tradição-ideologia à RELIGIÃO-SABEDORIA. Pensamos nós que, enquanto que a primeira tem como objectivos pragmáticos a “apoderação” do outro; a segunda aponta para a Libertação do Eu, baseada na Sageza das Idades, no entanto sem idade, sem tempo, sem lugar...

Estejamos, contudo, atentos às modernas respostas holísticas, que fazem com que as mensagens das diferentes Religiões coincidam com as respostas da Ciência.
Por outro lado, a assunção da Unicidade da Vida, visa despertar por todos os verdadeiros buscadores da Palavra Divina (a Palavra Perdida para alguns…), a existência de um verdadeiro Ecumenismo e vai evidenciar o fundo comum das “diferentes” Religiões.
O Re-ligare do radical da palavra Religião, faz cada vez mais sentido. Cada vez mais é necessário encontrar o fundo comum das Religiões e fazer com que essa essência comum se manifeste e venha afastar os fantasmas apocalípticos que assombram a Humanidade dos nossos dias, através de cruzadas, guerras santas, terrorismos, verdades absolutas, povos eleitos, povos mártires, tudo isto misturado com “teologias do petróleo” e monopólios multinacionais e intercontinentais de armas e de ciências da morte.

Desde sempre que a TEOSOFIA ou RELIGIÃO-SABEDORIA tem tido como o fim último da sua demanda, a compreensão da Verdade. Contudo é inatingível, para o homem comum, a cabal compreensão dessa mesma Verdade, o qual, para ultrapassar a frustração de incapacidade que lhe (a)parece inata, ele vem transformando, espartilhando o que julga entender por Verdade em miríades de dogmas, de leis, de convenções, de teorias, de religiões, etc., que o “ajudam” a dominar o que ele pensa ser a Realidade e a Vida... segundo os seus próprios juízos e critérios. Sempre ele olha para o exterior de si próprio quando quer compreender qualquer “mistério” vital, sempre ele tem julgado que aquela Verdade intransponível e inacessível se encontra encerrada algures, em algum país longínquo, nalgum livro dito “sagrado”, em qualquer lugar ou pessoa investida de autoridade.
Porém, e fazendo jus ao aforismo antigo que reza: “Não me procuraríeis se não me tivésseis encontrado já...”, resta-nos a possibilidade de encontrar algo, e esse algo estará encerrado no nosso próprio corpo, nos nossos genes, no nosso Ser...
Não obstante, no quotidiano, as pequenas verdades, as pequenas certezas que nos rodeiam, fluírem através de nós tal como os grãos de areia escorrem através da nossa mão aberta. A Realidade de que julgamos estarmos rodeados assume cada vez mais uma condição virtual. A matéria é olhada de modo completamente diferente pelo cientista deste início de milénio, do que pelo seu colega de há trinta, quarenta ou cinquenta anos... toda a imensa evolução tecnológica e científica, apesar de nos abrirem novas perspectivas para a compreensão da matéria, da vida manifestada, vêm também deparando-se com complexidades cada vez mais ténues, mais subtis, cada vez em dimensões, de estar e de ser mais inacessíveis, onde o acaso e a Consciência poderão ter alguma coisa a dizer... Nem na própria morte nós poderemos descansar o nosso espírito indagador, elegendo-a como a única certeza nesta vida...
Poderemos então perguntar: o que nos resta, enquanto seres vivos dotados de inteligência, de capacidade de perguntar, de procurar e de encontrar?... Talvez tão só o tomarmos consciência dessa capacidade e de sorrirmos perante aquela POSSIBILIDADE de viver o que dia-a-dia, minuto-a-minuto que acontece perante nós próprios, em nós próprios, e nos faz ouvir muito suavemente, muito subtilmente, no fundo da nossa ténue Consciência (onde se faz escutar a Voz do Silêncio...): “Fecha a mão!”, e que, ao fecharmos a mão, deparamos com três grãozinhos de areia que conseguimos suster... e com que alegria os olhamos!... Tal como uma criança o faria perante um imenso tesouro formado pelas coisas mais sem significado, pelas coisas mais simples que encontrou ao sabor do vento durante as suas brincadeiras inocentes...
A TEOSOFIA/RELIGIÃO-SABEDORIA, poderá muito bem ser esses grãozinhos de areia, sem sentido para quem procura dogmas, convenções ou teorias explicativas complicadas e intricadas, aparentemente possuidoras de autoridade e poder, contudo vazias de sentido e de autenticidade de vida. A TEOSOFIA/RELIGIÃO-SABEDORIA, poderá ser eventualmente a possibilidade de olharmos em nós e ao nosso redor e vermos algo diferente porque, realmente, não existem dois grãozinhos de areia iguais!...

NOTAS:
(1) in “The Theosophist”, Vol.126, N.º1,October 2004 (pp. 33-34).
(2) H. P. Blavatsky, A CHAVE DA TEOSOFIA, Edições 70, Lisboa, 1978 (pp.46, 47, 49, 56).
(3) H. P. Blavatsky, CINQ MESSAGES aux Théosophes Américains aux Congrès de 1888, 1889, 1890, 1891, Ed. Textes Théosophiques, Paris, 1982 (pp. 17, 18, 20 e 21).
(4) Evangelho Segundo São João, XV,12-17.


Rui Arimateia
“Textos Teosóficos XII”
Évora Ramo “Boa-Vontade” da Sociedade Teosófica de Portugal

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O doce sabor da Poesia


Thiago de Mello

OS ESTATUTOS DO HOMEM

Os Estatutos do Homem, texto escrito em Santiago do Chile em Abril de 1964 pelo poeta brasileiro Thiago de Mello, constituem um autêntico hino aos Direitos Humanos. Neste dia simbólico de 11 de Setembro de 2009 façamos votos para que, dos corações dos homens e das mulheres deste nosso planeta e deste nosso tempo, brotem rosas sem espinhos - que a beleza, a arte, a poesia, a sabedoria triunfem perante todas as ignorâncias, todos os dogmas, todos os fanatismos...
Paz a todos os Seres!

Acto Institucional Permanente

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade. agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela. Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.

Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964

Oiça o poema pela voz do Poeta:
http://www.youtube.com/watch?v=XylbBRdiRdI

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Pitágoras


VERSOS ÁUREOS PITAGÓRICOS

Em tempo de grandes decisões e grandes responsabilidades como é o caso: eleições à porta, em que os cidadãos são chamados a exercer o seu direito de voto. Há que escolher de entre uma plêiade de candidatos das diversas forças políticas concorrentes.
Um valor muito importante encontra-se em jogo - o valor da Autoridade. Uma vez que o(s) candidato(s) mais votado(s) ser-lhe(s)-á conferida a Autoridade, democraticamente conseguida, para que o Poder seja devidamente exercido.
Deverão os Cidadãos procurar saber se os políticos concorrentes estão devidamente munidos da aptidão para exercerem esse poder... Deverão os Cidadãos procurar saber qual a Política que os candidatos se propõem desenvolver na Cidade em caso de sucesso eleitoral no sufrágio que se aproxima.
Estaremos aptos para votar e para ser votados? Temos trinta e poucos anos de vida livre e democrática... Teremos atingido a maioridade democrática para votarmos e sermos votados em consciência? Estaremos aptos éticamente para assumirmos a Autoridade conferida pelos nossos Concidadãos e para exercermos o Poder com equilíbrio, equidade e justiça?
Proponho a todos a reflexão de um antigo texto atribuído a Pitágoras que nos ajudará a reflectir e a viver uma vida verdadeiramente livre e democrática:


Preparação

Presta a Deus imortal o culto consagrado;
Conserva a tua fé; dos vultos do passado,
Ou santos ou heróis, louva a divina acção.

Purificação

Sê bom filho e bom pai; sê justo como irmão;
Amável como esposo; escolhe como amigo
Aquel’ que tiver luz pra repartir contigo
E dê conselhos bons que o porte não desminta.
Se o fogo das paixões for cinza nele extinta,
Imita o seu exemplo, escuta o seu conselho,
Sê tu, pra o reflectir, um voluntário espelho;
Jamais te afastes del’ por fútil discrepância;
Enjaula dentro em ti a fera da arrogância.

Sê sóbrio, activo e casto; evita a irritação;
À raiva fecha a alma, ao ódio o coração.
Em público ou privado o mal jamais pratiques;
A quem te der lições escuta e não critiques.
Respeita-te a ti próprio; o sábio verdadeiro
Nada diz, nada faz sem reflectir primeiro.

Sê justo. As más acções são catacumbas frias
Pra sepultar, na morte, os bens e as honrarias;
Toda a riqueza é vã se foi contra um dever,
O fácil de ganhar é fácil de perder.

O cálix de amargura imposto pela sorte
Aceita-o resignado; el’ te fará mais forte.
Em mil, fiéis ao erro, um só busca a verdade,
Mas Deus protege o sábio e livra-o da maldade.

O filósofo aprova ou condena sem tédio
E onde encontrar o erro incapaz de remédio,
Afasta-se e espera. «Afasta-se e espera!»
Grava bem esta lei, medita-a, considera
Quanta inútil pendência ela pode evitar-te.

Com todos sê cortês, sê nobre em toda a parte,
Não dês exemplos maus nem os sigas tão-pouco;
Agir sem fim nem causa é proceder de louco.
Olhos e ouvidos cerra a todo o preconceito,
A todo o fanatismo ou julgamento feito
Preconcebidamente e só por teimosia;

Seja tua e só tua a razão que te guia.
Não pretendas fazer o que a tua ignorância
Não permitir; o tempo, a atenção e a constância
Hão-de trazer-te um dia o poder que te falta.
Aprender a Servir, eis a ambição mais alta
Que deve nortear a tua vida inteira.
Cuida bem do teu corpo; o trabalho aligeira
Quando ele se queixar, mas não lhe satisfaças
Apetites boçais; as dores e as desgraças
Começam quando o corpo ordena mais que a alma;
Se o serves uma vez, já nunca mais se acalma.
Do luxo ou da avareza os males são iguais,
Dif’rentes na aparência, irmãos em tudo o mais.
Procura encontrar sempre o justo médio termo,
Pois nenhum corpo é são ‘stando o mental enfermo.
Formula, ao despertar, o teu programa honesto
E nunca pra amanhã deixes ficar um resto.

Perfeição

Antes de adormecer, repassa no mental
As acções que fizeste ou pra bem ou pra mal.
Não repitas as más, insiste só nas boas,
Estende a compaixão aos animais e às pessoas;
A cada novo esforço, a cada prova rude,
Acenderás em ti a luz duma virtude.
Assim sublimarás a Tétrada sagrada,
A tua quaternária e cósmica morada,
Alma, espírito e corpo – um embrião de deus.

Procura com fervor abrir os olhos teus
À luz que vem do Olimpo; o teu esforço é vão,
Se o céu te não cobrir da sua protecção;
Só el’ pode acabar as obras que começas
E dar-te, para o bem, o auxílio que lhe peças.
Estuda a Natureza, aprende a lei sublime
Que rege a imensidade e que à matéria imprime
A vida universal. Perante estudos sérios,
Abrem-se pouco a pouco as portas dos Mistérios.
Então descobrirás a luz do teu destino
Que, por divino amor do nosso Pai Divino,
É vir colaborar no plano do Universo,
Com Deuses de quem tu és «Uno», mas diverso.

Então desprezarás todo o desejo fútil;
Verás que o sofrimento é criação inútil
Dos erros e do vício e da maldade crua,
Da torva insensatez dos outros e da tua.
O homem vive e morre a procurar um bem,
Sem nunca reparar nos bens que em si contém.
Quem não souber ser bom não sabe ser feliz,
É náufrago num mar de praias sempre hostis;
E entre o fraguedo atroz que a riba lhe apresenta,
Não pode resistir nem ceder à tormenta,
Porque não descobriu que transporta consigo
Um farol pra o guiar a salvamento e abrigo.
Por entre os vendavais dessa jornada ignota
Tem cada qual de abrir a sua própria rota.
Uma extirpe divina impõe à humanidade
Buscar no mar do erro o porto da Verdade;
A Natureza ajuda o homem no caminho,
Nunca o desamparou, nunca o deixou sozinho.

Homem sábio, homem bom, tu que já penetraste
Os mistérios da vida e mediste o contraste
Entre o Bem e o Mal, concentra-te um momento
E medita que Deus, ao dar-te o Pensamento
E muitos outros dons que reflectem os Seus,
Fez-te um Ser Imortal, porque és tu próprio um Deus.

(Tradução: Félix Bermudes)