Évora é cidade património da humanidade não só pelas pedras, pelas ruas, pelos monumentos, arcos e praças, pelos vestígios da história construída... Évora é património universal pelas coisas, sensações, religiões e filosofias, pelas diferentes formas e realidades culturais que por ela passaram e vingaram e ainda hoje se sentem, quando percorremos, indiferentes ao tempo e ao espaço percorridos, os seus perfumes, as suas palavras ditas e cantadas, as suas vivências que ficaram retidas na essência das pedras suas testemunhas.
É exemplo disso a poesia do al Andaluz de ontem... a poesia de Ibn Abdun de Évora, numa tradução proposta por Adalberto Alves.
Ousemos pronunciar em voz alta esta poética versão, excerto de ode do grande poeta eborense do Século XII:
BEM CEDO o destino nos fustiga...
E para trás rastos vão ficando.
Esconjuro-te! Deixa que te diga:
Não chores por sombras, tudo é ilusão.
Ai de quem com quimeras vai sonhando
Entre as garras e os dentes do leão!
Que a vida não te iluda e entorpeça já.
Para a vigília são teus olhos feitos.
Ó noite, que do teu ócio nos afaste Alá.
E dos que ao teu feitiço estão sujeitos!
Teu prazer engana, víbora escondida
Detrás da flor: morde quem a quer colher.
Quanta geração foi de Alá querida!
O que ficou? - Poderá a memória responder?
Quem pode a menor coisa pretender.
E talentoso ou bom, deveras, ser?
Quem pode dar recompensa ou castigar?
Quem põe fim ao sopro da desgraça?
Quem é que a Danação pode afastar
Ou a tragédia que o Destino traça?
Ó vã generosidade, ó vão valor!
Quem me defenderá do opressor
- Calamidade em noite sem aurora -
Quem? Se já não há regra a respeitar
E o que resta é um silêncio imposto?
Quem é que apagará o amargo gosto
Que nunca ninguém pode apagar?"
Nota importante: anteriormente estava colocado um fragmento do poema de João de Deus ("A Vida") que "Saudades do Futuro" muito oportunamente e de imediato me alertou para o engano e aqui está então o nosso Ibn Abdun. Mais à frente colocarei então e devidamente identificado o poema de João de Deus.
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1 comentário:
Caro Emanuel,
Lamento assinalar uma grave imprecisão científica na autoria do poema que é, como bem se sabe, João de Deus e não o poeta Ibn Abdun.
O que se sabe também é que, a nosso ver correctamente, Adalberto Alves confronta e aproxima a temática dos dois textos: o transcrito no post de João de Deus, e o abaixo transcrito, de Ibn Abdun:
"BEM CEDO o destino nos fustiga...
E para trás rastos vão ficando.
Esconjuro-te! Deixa que te diga:
Não chores por sombras, tudo é ilusão.
Ai de quem com quimeras vai sonhando
Entre as garras e os dentes do leão!
Que a vida não te iluda e entorpeça já.
Para a vigília são teus olhos feitos.
Ó noite, que do teu ócio nos afaste Alá.
E dos que ao teu feitiço estão sujeitos!
Teu prazer engana, víbora escondida
Detrás da flor: morde quem a quer colher.
Quanta geração foi de Alá querida!
O que ficou? - Poderá a memória responder?
Quem pode a menor coisa pretender.
E talentoso ou bom, deveras, ser?
Quem pode dar recompensa ou castigar?
Quem põe fim ao sopro da desgraça?
Quem é que a Danação pode afastar
Ou a tragédia que o Destino traça?
Ó vã generosidade, ó vão valor!
Quem me defenderá do opressor
- Calamidade em noite sem aurora -
Quem? Se já não há regra a respeitar
E o que resta é um silêncio imposto?
Quem é que apagará o amargo gosto
Que nunca ninguém pode apagar?"
Uma desatenção, certamente...
Um abraço.
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