segunda-feira, 6 de abril de 2009

A FESTA DO BOI DE S. MARCOS EM ÉVORA

A FESTA DO BOI DE SÃO MARCOS

A Festa de São Marcos, a 25 de Abril, coincide com a antiga Festa Romana Rubigalia, que era celebrada para pedir a protecção contra o rubigus – ferrugem – do trigo.
Nesse mesmo dia, no âmbito do ritual dos Mistérios de Isis, procedentes do Egipto e fortemente implantados tanto na Grécia como em Roma – através da Alexandria, local onde segundo os hagiógrafos cristãos se terá dado o martírio de São Marcos – se celebrava a festa mistérica de Serapis. Era esta uma divindade sem mito, puramente salvífica (de sôter, salvador, um cognome de Júpiter), que vinha unir-se ao mito de Isis e Osíris, tomando a personalidade do Deus despedaçado e as qualidades solares do boi Ápis e note-se que Serapis, enquanto nome próprio, é uma união Osíris-Ápis. Serapis era a divindade propiciatória da fertilidade da Terra – a deusa Mãe – e, através dos ciclos agrários, da morte e da ressurreição do ser humano.
Há que fazer notar que os cultos Isíacos, como praticamente a totalidade dos ritos mistéricos, tiveram na Hispânia uma enorme difusão. E cabe aqui recordar que o serapeu mais importante de entre os que se descobriram na Península é o de Panóias, referido pelo Dr. José Leite de Vasconcellos na sua obra Religiões da Lusitânia, e não longe dos lugares estremenhos onde Feijóo e o Padre Coria confirmavam a presença activa do rito festivo do touro de São Marcos em obra publicada em pleno Século XVIII.
Tal como pode, pois, deduzir-se de todos os dados dispersos surgidos nas festas que se celebram em torno de São Marcos, o Evangelista teria passado a substituir, na data precisa, uma divindade serápica que teria sido provavelmente venerada nos lugares onde posteriormente se renderia culto ao santo.
[1]
Afirma José Leite de Vasconcellos na obra acima referida:
“Ao paganismo lusitano-romano sucedeu o Cristianismo (…). A Igreja, impotente para extinguir completamente o paganismo, santificou numerosas crenças; (…) Os simpáticos deuses tópicos, tão queridos do povo simples, transformaram-seem Santos patronos, a quem os devotos não deixaram de render o antigo culto, embora sob uma outra forma; (…).
Herdeira de inúmeros sistemas religiosos tão diferentes, a nossa religião popular é propriamente uma amálgama: descobre-se nela ainda elementos naturistas, animistas e politeístas.
As ideias, e sobretudo as ideias religiosas, raramente se extinguem: uma vez adquiridas pela alma humana, podem experimentar mil mudanças, sofrer e confranger-se, mas resistem levantando-se sempre contra o inimigo que as ataca.”

Nos primórdios do Cristianismo a maioria das comunidades subsistiam através da Agricultura, consequentemente foi encontrado um Deus que se interessasse pela fertilidade da terra e dos animais, servindo, em última análise, o próprio homem…
O Papa Gregório I, no século VII, reconhecendo esta maneira de sentir das populações, nomeadamente das populações rurais e aldeãs, instruiu o clero no sentido de, ao encontrar-se entre aquelas populações simples, crenças pagãs profundamente enraizadas as quais não pudessem ser eliminadas facilmente, as transformassem em práticas cristãs:
“e como eles têm um costume que consiste em sacrificar muitos bois ao Diabo, substituam-no por qualquer outra solenidade, como um dia de Consagração ou os Festivais dos santos mártires… Nessas ocasiões podem construir abrigos de ramos para si próprios à volta das igrejas que dantes foram templos, e celebrar a solenidade com festividades devotas. Não devem sacrificar mais animais ao Diabo, mas podem matá-los para comer em louvor de Deus, e agradecer ao que concede todas as dádivas a abundância de que gozam.”.
[2]»

NO CONCELHO DE ÉVORA

A Festa de São Marcos na Igreja de São Marcos da Abóbada

Na antiga igreja paroquial de S. Marcos da Abóbada, antiga sede de Freguesia do Concelho de Évora, hoje extinta e integrada na Freguesia da Torre de Coelheiros, tinha como orago S. Marcos Evangelista. O Padre Francisco da Fonseca, na sua obra “Évora Gloriosa”, – Roma, 1728, ver Parte Segunda, pág.223 – refere a realização da Festa de São Marcos dizendo: “todos os annos no dia do Santo, o Touro mais bravo deyxada a ferocidade natural, assiste na Igreja, como hum cordeyrinho aos Officios Divinos.”
Esta Festa de São Marcos ainda em 1901 se realizava no dia que lhe era consagrado, o dia 25 de Abril. Segundo notícia de jornal da época: “Hoje realiza-se em S. Marcos da Abóboda a festa anual do costume.”, in «Notícias d’Évora», 25 de Abril de 1901.

Festa de São Marcos na Ermida de S. Bartolomeu

“Da hermida do sagrado apóstolo S. Bartholemeu, disse eu algum dia, para mais, para hermida; porque he hua boa Igreja, mas com os predicados de hermida, grande, e formoso: Nella está também a Virgem May de deos com a invocação da Senhora da Paz, a quem por milagrosa levam alguas vezes alguns enfermos; tem aqui mesmo hua sua boa irmandade a mesma Senhora da Paz.
Da fundação da Ermida só me consta foi de hum Reverendo Quartanário da Sé, chamase Laureano Martins e era ainda vivo no ano de 1620. (…).
O Santo tem alguns devotos mordomos, mas o maior gasto de sua festa sae das esmollas, que no seu dia se tiram e dam na mesma Igreja a que concorre muito povo; mas já essas esmollas foram mais. Também concorrem muitos à festa da Senhora da Paz, que faz a sua Irmandade. E não sei se diga que muitos mais vam à festa do Evangelista S. Marcos que aqui está juntamente e em que alguas vezes não digo correm, mas trasem ao seu touro para assistir muito quieto à festa, e sem saber dar os seos guinchos, e sem fazer mal algum, mas todos se guardam, e fogem delle, despois, que se acaba a festa.”
[3]

Também no jornal eborense “O Manuelinho de Évora”, datado de 13 de Fevereiro de 1883 [pág.3], podemos ler a seguinte notícia:

Derrocada da Ermida de S. Bartolomeu
“Domingo ultimo, pouco antes das 11 horas da manhã, desmoronou-se a egreja de S. Bartholomeu situada no baluarte á direita da porta d’Aviz. A derrocada foi subita e quasi completa, ficaram de pé a capella mór e a parede sul. Ha muito que esta egreja ameaçva ruina proxima; estava profanada ha 4 ou 5 annos, e as imagens tinham sido transferidas para o Espinheiro.
A egreja de S. Bartholomeu foi edificada pelo padre Lourenço Martins em 1612, com auxílio de esmolas. Veneravam-se tambem ali as imagens da Sr.ª da Paz e de S. Marcos.
O baluarte foi construído em 1663. Em tempo foram muito populares as festas da egreja de S. Bratholomeu. O demonio que estava aos pés do santo tinha olhos de vidro facetado, brilhando muito, o que lhe dava grande celebridade.
Na festa de S. Marcos entrava um boi na egreja, como ainda hoje se usa em varias terras do paiz. O templo pertence à camara, segundo nos informam.”

Rui Arimateia

Notas:

[1] Ver: ARIMATEIA, Rui – O Mito de São Marcos (Breve Análise), in Ibn Maruán, n.º 3, Revista Cultural do Concelho de Marvão, 1993.
[2] Ver: ARIMATEIA, Rui – A Festa de São Marcos e a Religiosidade Popular, in «Ibn Maruán», N.º2, Marvão, Dezembro de 1992, págs. 39-40.
[3] Ver: FIALHO, P.e Manuel – “Évora Ilustrada”, Tomo II (B.P.E. Cód. CXXX/ 1-11) [Fls.921v e 922].

1 comentário:

Eduardo Machado disse...

Caro Emanuel, obrigado pelas informações e parabéns pelo blog.