quarta-feira, 22 de abril de 2009

DIA DA TERRA... DIA DA MÃE

a rosa e o graal

1

mãe que tens olhos nos seios
de que dás vida ao menino
aragem de profecia na sageza dos caminhos

arca do amor e do trigo

a vida de guarda em ti

a barca de sóis
barca de berço

portadora da esperança
nas águas do sofrimento

mãe do tempo
iniciadora

terra e árvore chão e altura

a vida te faz prenúncio
da Vinda
e da graça nova

mãe do tempo
iniciadora

dor de existir e o refúgio
de ti vem oh doadora


2

neste meu corpo feito graal da esperança
aconteceste vida desdobrada nas grandes águas
da interior distância

e o teu sorriso a ser foi asa em mim pousando
e o teu sorriso o mar
como canto dado à minha sede

aconteceste e foste igual à viagem
neste corpo de praias e caminhos
a tudo querendo unir tudo inundando

por isso oh minha ave
quando partires ficarás morando
com o antes de chegares me habitavas
nessa memória do pressentimento

tempo de graça o tempo em que te espero
ainda que habitando no limite das coisas
e o mistério

mais real o mistério esse silêncio de que a vida cresce
mais real o invisível ventre antigo e materno
a que me acolho já vestida de esperança
e sofrimento

tempo de prova o tempo
em que para te ter terei de dar-te

e na margem que somos só uma praia
crescerá como um mar o mundo a separar

mas promessa ah promessa
o tempo que em mim canta

ao silêncio atenta sei em mim a rosa
de novo viva desde a minha infância


3

em minha sombra há mil rostos
voltados para a distância

e um vago jeito relembrando infância
a habitante
das moradas de vida a que me dei

matriz de outros destinos este corpo
extenso e sem contornos

achados noutros corpos embalei

alga tornada o mar

e coração
de que outros corações de amar
vieram

sombra de um sol distante
esta morada

aberta aos ventos como a face da terra


4

menina manhã do tempo asa do tempo menina
que o futuro faz sorrir com a ternura solar
de um materno pressentir

menina barco de lua
regaço de onda abraçando
velhos bonecos e o mundo
com sentimentos iguais
a todo gesto de embalo maternos
são teus sinais

menina
que guardas fontes
sonhadas de antiga sede

maternos são teus sinais

tecidos de velhas dores
e de alegria
habitando velhos bonecos morando
no teu colo amanhecer


Beatriz Serpa Branco, “A Face e as Sombras", Évora, 1969

1 comentário:

Anónimo disse...

Assim seja, saudosa Beatriz!

Uma muito boa lembrança. Cumprimentos a toda a família.