a rosa e o graal
1
mãe que tens olhos nos seios
de que dás vida ao menino
aragem de profecia na sageza dos caminhos
arca do amor e do trigo
a vida de guarda em ti
a barca de sóis
barca de berço
portadora da esperança
nas águas do sofrimento
mãe do tempo
iniciadora
terra e árvore chão e altura
a vida te faz prenúncio
da Vinda
e da graça nova
mãe do tempo
iniciadora
dor de existir e o refúgio
de ti vem oh doadora
2
neste meu corpo feito graal da esperança
aconteceste vida desdobrada nas grandes águas
da interior distância
e o teu sorriso a ser foi asa em mim pousando
e o teu sorriso o mar
como canto dado à minha sede
aconteceste e foste igual à viagem
neste corpo de praias e caminhos
a tudo querendo unir tudo inundando
por isso oh minha ave
quando partires ficarás morando
com o antes de chegares me habitavas
nessa memória do pressentimento
tempo de graça o tempo em que te espero
ainda que habitando no limite das coisas
e o mistério
mais real o mistério esse silêncio de que a vida cresce
mais real o invisível ventre antigo e materno
a que me acolho já vestida de esperança
e sofrimento
tempo de prova o tempo
em que para te ter terei de dar-te
e na margem que somos só uma praia
crescerá como um mar o mundo a separar
mas promessa ah promessa
o tempo que em mim canta
ao silêncio atenta sei em mim a rosa
de novo viva desde a minha infância
3
em minha sombra há mil rostos
voltados para a distância
e um vago jeito relembrando infância
a habitante
das moradas de vida a que me dei
matriz de outros destinos este corpo
extenso e sem contornos
achados noutros corpos embalei
alga tornada o mar
e coração
de que outros corações de amar
vieram
sombra de um sol distante
esta morada
aberta aos ventos como a face da terra
4
menina manhã do tempo asa do tempo menina
que o futuro faz sorrir com a ternura solar
de um materno pressentir
menina barco de lua
regaço de onda abraçando
velhos bonecos e o mundo
com sentimentos iguais
a todo gesto de embalo maternos
são teus sinais
menina
que guardas fontes
sonhadas de antiga sede
maternos são teus sinais
tecidos de velhas dores
e de alegria
habitando velhos bonecos morando
no teu colo amanhecer
Beatriz Serpa Branco, “A Face e as Sombras", Évora, 1969
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1 comentário:
Assim seja, saudosa Beatriz!
Uma muito boa lembrança. Cumprimentos a toda a família.
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