quarta-feira, 1 de abril de 2009

Miguel Torga e Évora

Évora, 14 de Fevereiro de 1942 – Rendo-me. Diante de uma realidade assim, rendo-me, e digo mais: que vale a pena, afinal, haver história, haver arquitectura, e haver respeito por quantos souberam ser antes de nós bichos e poetas do seu casulo. E por isto: porque até hoje, em Portugal, só esta terra me deu a justa medida e a justa prova da séria e humana pegada que deixaram no seu caminho nossos pais. Para que me surja vivo e sagrado aos olhos o que os meus antepassados fizeram, é preciso que a lição recebida seja ao mesmo tempo testemunho e destino. Ora nenhuma cidade nossa, salvo Évora, foi capaz de me dizer com pureza e beleza que eu sou latino, que eu sou árabe, que eu sou cristão, que eu sou peninsular, que eu sou português, – que eu sou a trágica mistura de sangue místico e pagão que fez de mim o homem desgraçado que sabemos.

Miguel Torga – Diário II.

1 comentário:

Isabel José António disse...

"que a lição recebida seja ao mesmo tempo testemunho e destino" é também o comentário que se pode fazer a este magnífico blogue!

Isabel