OS FUNDAMENTOS DO SENHOR RAIMUNDO JOSÉ LOPES
Natural de Évora, onde nasceu na Travessa do Cavaco a 3 de Março de 1918, trabalhou até aos 22 anos de idade com o pai em tarefas do campo, foi ainda aprendiz de sapateiro, trabalhou nas pedreiras a partir pedra com um marrão, etc.. Finalmente, aos 22 anos empregou-se como cantoneiro na J.A.E., onde permaneceu até atingir a idade da reforma.
Desde a sua meninice que gostou de fazer versos: quadras e décimas, principalmente. Foi com 12 ou 13 anos que compôs o primeiro fundamento, intitulado Branca de Neve e os Sete Anões, em quadras rimadas a 4 pontos.
Era à luz do candeeiro a petróleo que o Mestre Raimundo compunha os seus fundamentos, rabiscando nos seus papéis até altas horas da madrugada, pois enquanto os rapazes das quintas esperavam o fundamento para começarem os ensaios das suas brincas. E, há cinquenta anos atrás, eram muitas as quintas do termo de Évora que representavam os seus fundamentos durante os dias do Entrudo.
Eis os nomes de alguns dos fundamentos passados para o papel pelo Mestre Raimundo, uns imaginados totalmente por ele, outros inspirados em algum livro, conto popular, filme ou peça de teatro:
Branca de Neve e os Sete Anões
O Bocage
A Fugitiva
A Princesa Helena
O Camões
A Princesa Sanguinária
D. Pedro I - O Justiceiro
Os Alcoólicos
A Rosa do Adro
Pedro Cem
O Corsário
O Grupo Sagrado
O Grupo das Aves Reais
João de Calais
O Grupo da Escravidão
As Encantadas
Giraldo Sem Pavor
O Lavrador
A Namoradeira
O Grupo Real
João Soldado
D. Inês de Castro
O Príncipe com Orelhas de Burro
(...)
O Sr. Raimundo tem grande importância para a compreensão e para a história das Brincas e do Carnaval de Évora, por um lado pela abundância de material produzido – dezenas e dezenas de fundamentos –, por outro, porque a sua intervenção poética veio re-caracterizar a própria estrutura das Brincas e dos fundamentos, conferindo-lhes um enredo baseado em histórias ou na História, complexificando o conjunto formado também pelas contradanças e pelas canções e décimas de apresentação e de despedida.
A principal dificuldade do investigador destas matérias é o facto dos fundamentos, que existiram anteriormente à actividade de escrita e de registo do Sr. Raimundo, pertencerem a uma tradição eminentemente oral, não havendo, portanto, memórias escritas para que eventualmente servissem de comparação.
Contudo, é importante frisar a importância da tradição oral na produção dos enredos dos fundamentos. O Sr. Raimundo foi muito influenciado pelos contos populares tradicionais, sendo esta uma realidade instalada na sua maneira de ser e na vivência que faz deste mundo do maravilhoso nos poetas populares. Referia ele a certa altura, quando se encontrava a explicar um fundamento: «Antigamente, em remotas eras, os reis fadavam os filhos...».
No dia 31 de Dezembro de 2003, na noite em que tradicionalmente, durante o Baile de Ano Novo, os rapazes combinavam o compromisso de saírem com uma Brincadeira pelo Entrudo, deixou-nos o Mestre Raimundo.
Com a sua morte, virou-se mais uma importante página no livro da cultura eborense. Estas são páginas que possuem uma particularidade muito própria: não poderão ser passadas novamente! Uma vez passadas, ficarão irremediavelmente a pertencer a um tempo que já não é o nosso. Hoje as Brincas ainda existem, ainda saem à rua durante o Entrudo, mas por quanto tempo mais poderemos ainda ter o privilégio de as ver praticamente como elas actuavam há quarenta ou cinquenta anos?!
Fica desde já formulado um apelo aos actuais e antigos Mestres de Brincas para que façam reviver o espírito folião de Mestre Raimundo através da sua criação poética, pois ele perdurará e estará connosco enquanto as sua obras, os seus fundamentos, as suas décimas, não forem votadas ao esquecimento.
Com o desaparecimento do Mestre Raimundo, justifica-se plenamente aquele dito popular de que “Cada vez que um velho morre/ É uma biblioteca que se encerra”, pois que ele foi o criador e o depositário dos fundamentos, das décimas que serviram de enredo às Brincas de Carnaval de Évora, que, de um modo ininterrupto, vêm alegrando, vêm dando profundidade e consistência poética e humana ao nosso Entrudo desde o mais longínquo das nossas memórias escritas e
orais.
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