AS BRINCAS EM NOSSA SENHORA DE MACHEDE
Tal como as Brincas das quintas de Évora, é praticamente impossível determinar as origens das Brincas na aldeia de Nossa Senhora de Machede (concelho de Évora).
Este foi um texto realizado em Fevereiro de 1996, com base no depoimento do Sr. Bernardino Manuel Pereira Piteira, antigo Mestre de Brinca na aldeia de Nossa Senhora de Machede, de onde era natural e onde residia na altura da representação carnavalesca.
Parece-nos haver influências entre a aldeia e as quintas e bairros rurais da cidade de Évora.
O meio social onde este costume proliferava era o dos trabalhadores rurais das grandes casas agrícolas existentes à volta da cidade.
O Sr. Bernardino Piteira foi Mestre de Brinca em Nossa Senhora de Machede nos tempos da sua juventude, nos anos de 1959 e 1960, tendo na época 23-24 anos de idade. Na altura era famoso o Ti António Cigarra (Caeiro) como ensaiador e Mestre de Brincas, homem já com os seus 60 anos, assim como os irmãos Tiago e Francisco Vieira “Marafalha”, que, anteriormente a 1957, também foram Mestres de Brincas oriundas de N.ª S.ª de Machede. Em 1961 o Mestre da Brinca, última que se lembra de ter sido organizada na aldeia e em que já não participou, foi o Sr. Marcolino.
Por volta do ano de 1950, então com 13 anos de idade, lembra-se o Sr. Bernardino Piteira de ter ido à aldeia a Brinca do monte da Pereira (sito junto à estrada de Viana do Alentejo), ou pelo menos constituída por rapazes que eram trabalhadores rurais na herdade a que este monte pertencia. A Brinca apresentada denominava-se As Quatro Estações do Ano, tendo sido o Mestre o Sr. Linhol.
No monte da Pereira congregavam-se normalmente os trabalhadores rurais dos montes em redor: Vale de Moura, Pinheiros, Campo da Mira, Coelheiros, Bota, Chaminé, S. Marcos, Maceda e até do Bairro de Almeirim. Juntavam-se esporadicamente nesse Monte para a realização de Bailes nos casões e nos palheiros e, durante o Entrudo para os ensaios de Brincas, como foi o caso desse ano de 1950.
É bom lembrar que certas casas agrícolas chegavam a albergar nas suas casas da malta mais de 100 trabalhadores, provenientes de toda a região circundante. Daí que o monte da Pereira, porque se encontra geograficamente situado numa zona central - e nesses tempos a deslocação dos trabalhadores rurais fazia-se a pé -, pudesse servir de ponto de encontro de toda essa gente.
É de referir a extrema importância da tradição oral na preservação destes costumes cantados, musicados e coreografados pelas gentes do povo. O Sr. Piteira, em 1958, foi contactado por um amigo seu - o Sr. José Caetano, que nesse ano se assumiu como Mestre de Brinca - com o objectivo expresso de passarem para o papel as Décimas do Fundamento: foi o suficiente para se entusiasmar e, no ano seguinte, assumir o mestrado das Brincas de Machede.
É importante também referir que, tradicionalmente, as Décimas eram todas decoradas pelos participantes da Brinca, uma vez que o analfabetismo era, infelizmente, regra geral entre os trabalhadores rurais no Alentejo.
Os grupos de 14 ou 15 elementos, e até mais, iniciavam a sua actividade efémera pelo Ano Novo. Daí até ao Carnaval ensaiavam dois dias por semana, às quartas e aos sábados, depois do trabalho. Como todos eram trabalhadores rurais nas casas agrícolas dos arredores, largavam o serviço após o sol-posto (depois do “pôr do ar de dia”), e só então vinham, a pé, para a aldeia, cear e comparecer no ensaio. Este era normalmente efectuado em segredo num local escuso e relativamente distante da aldeia, a fim de salvaguardar de olhares e ouvidos indiscretos todo o enredo do fundamento e toda a construção coreográfica da Brinca, com o objectivo de melhor surpreenderem os seus conterrâneos nos dias de Entrudo.
Em 1959, o tema do fundamento foi «O Namoro/Casamento». Nesse ano, além da representação do referido fundamento a Brinca apresentou igualmente uma Contradança das Fitas. Mais complexa do que a da Pinha, esta contradança possuía um Mastro central de onde saía um conjunto variável de longas fitas, em número par, cujas extremidades os executantes agarravam e que, devido aos movimentos coreográficos levados a efeito, permitia a construção de um entrançado colorido.
Uma espécie de Contradança das Fitas era tradicionalmente executada no Baile da Pinha, por alturas da Primavera, apresentando-se um conjunto de longas fitas coloridas ligadas a uma pinha que, por sua vez, se encontrava presa ao tecto do salão de baile. Com a continuidade da assim denominada dança da pinha todas as fitas se desprendiam da referida pinha, excepto uma que era a premiada.
Contudo, tradicionalmente, o que a Brinca de Nª Sª de Machede costumava, em anos anteriores, apresentar como complemento à saída do fundamento, e para enriquecer visualmente toda a função, era uma Contradança dos Arcos, que eram construídos com ramos de silvas e enfeitados com papéis coloridos e armações de flores de papel, tal como eram enfeitados os chapéus dos seus executantes.
O resultado da execução destas Contradanças do Entrudo era um conjunto de lindos efeitos estéticos.
Refira-se, como curiosidade, que se encontra descrita uma Dança das Fitas, dançada por alturas do Entrudo em Moncorvo, nos anos 30, num trabalho publicado pelos etnólogos Santos Júnior e António Mourinho (Coreografia Popular Transmontana, “Trabalhos de Antropologia e Etnologia”, Fasc.4, Vol.23, Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, Porto, 1980), além da descrição de uma Dança Satírica ou Festa dos Rapazes de Felgar (Moncorvo), igualmente formada por alturas do Carnaval. Aqui também, tanto na primeira como na segunda dança, como ainda nas Brincas e Contradanças tradicionais de Entrudo na região de Évora, os elementos participantes são todos homens, travestindo-se quando necessário. De qualquer modo, é interessante notar o facto de em Trás-os-Montes a Dança das Fitas ser tradicional da época Entrudo e ser executada só por homens, utilizando os executantes, além do Mastro, também arcos enfeitados com papéis e flores de papel coloridos.
Os dias fortes para a saída da Brinca eram o Domingo Gordo e a Terça-Feira de Carnaval. E eles lá iam, depois de vestidos os seus trajos a rigor: eles envergando jaqueta, calça e cinta pretas, e elas com trajes de cores garridas, à minhota. Os músicos eram chefiados pelo acordeonista - o Ti Serra - e exibiam os seguintes instrumentos: bombo, caixa, castanholas, pandeiretas e ferrinhos.
É ainda de salientar a importância do bombo no anúncio da saída das Brincas pelo Carnaval. Nas noites silenciosas das aldeias dos anos 50, as pessoas conseguiam escutar as pancadas nos enormes bombos utilizados pelos foliões a uma distância considerável, inclusive identificando o local onde estavam a ser executadas: no Degebe, em Vale Côvo, na Garraia, nos Canaviais... todos topónimos de quintas de características rurais à volta da cidade de Évora, onde a tradição das Brincas se manteve até aos nossos dias.
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