domingo, 7 de fevereiro de 2010

AS BRINCAS DO ENTRUDO EM ÉVORA - IV

O ESPAÇO CÉNICO

O espaço cénico da brinca é, digamos assim, tratado em três tempos diferentes mas complementares: em primeiro lugar, temos o tempo em que se inicia com a formação no local de representação até ao início do fundamento; o segundo tempo consiste na dramatização do próprio fundamento; o terceiro é constituído com os restantes elementos (contradanças, formações, rodas, etc.) até ao fim da brinca propriamente dita.
No entanto esta divisão agora proposta é artificial, pois que no decorrer da brinca as divisões existentes, marcadas fortemente pela bateria, são mais factores dinamizadores da acção do que marcações para “mudança de acto”.
O fundamento propriamente dito, isto é, a dramatização, inicia-se depois de todos os elementos da brinca se colocarem em círculo, excepto os palhaços, que não possuem lugar fixo. Os personagens só saem do seu lugar do círculo aquando da sua deixa, dirigindo-se então em direcção ao seu ou aos seus interlocutores. Ao terminar o fundamento dispõem-se novamente em círculo.
As diferentes coreografias geometrizam o espaço com círculos, quadrados, sinos-saimão, estrelas, meias-luas, etc., desenhos estes conotados com certos elementos tradicionais de cariz eventualmente mágicos e propiciatórios. A geometrização é principalmente elaborada durante as contradanças, sua formação e desformação.
É importante insistirmos aqui no espaço circular de representação do fundamento. Estaremos perante reminiscências de ritos solares de épocas remotas? Segundo autores como Mircea Eliade, o espaço circular da representação é o espaço de festa por excelência, onde acontece, cada vez que é provocada, a recriação de um espaço sagrado, onde tem lugar a renovação cíclica da própria vida, nas suas vertentes natural e cultural.
O exemplo que vamos descrever de seguida, o da estruturação do espaço cénico de uma brinca, não poderá, como é óbvio, ser extensivo, na sua forma, a representação de outras brincas nos seus pormenores, mas sim nos seus aspectos mais gerais de estruturação dos conteúdos e de veiculação de uma mensagem simbólica subjacente à própria dramaturgia.

I

[Chegada ao local]
Formação
bateria
Pedido de autorização ao dono do lugar, pelo Mestre
Contradança
Roda com o Mestre ao centro
Apresentação e breve explicação do fundamento
bateria
Apresentação dos personagens
bateria

II

Desenvolvimento do Fundamento
Fim do Fundamento

III

Roda com o Mestre ao centro
Décima de agradecimento aos presentes
Peditório de auxílio para as despesas efectuadas
Brincadeira dos Palhaços
bateria
Valsa
bateria
Décima à Bandeira
Canção em coro (sinopse do Fundamento)
Agradecimento de despedida
Formação
Contradança de despedida
Despedida e agradecimento ao dono do lugar

Finaliza a função em casa do dono do lugar, tomando todos os participantes da Brinca uma bebida oferecida por este e convivendo todos durante uns momentos. Como o local de representação escolhido é quase sempre junto de uma venda ou taberna, normalmente é o proprietário deste estabelecimento que desempenha o papel prestigiante de dono do lugar.
É claro que, de brinca para brinca, existem muitas variantes, não sendo rígida a estruturação de todo o conjunto cénico.

Existindo, à partida, um fundamento, a Brinca organiza-se e fica pronta a sair à rua num mês e meio (em média).
Iniciam-se os contactos preliminares na noite do baile do Ano Novo, congregando-se o grupo à volta do Mestre. Termina a função, desfazendo-se a brinca, na Quarta-Feira de Cinzas, com o tradicional Enterro do Entrudo, para voltarem a reunir-se no ano seguinte, demonstrando deste modo o carácter cíclico bastante bem demarcado e calendarizado.
O dinheiro conseguido nos peditórios é principalmente usado para cobrir as despesas com os adereços e, se for caso disso, com o acordeonista. Se sobrar alguma importância é organizado um convívio entre todos os elementos.
Por norma ensaiam dois a três dias por semana, chegando a ensaiar todos os dias na semana imediatamente anterior ao Carnaval. Estes ensaios são normalmente - segundo a tradição - envolvidos no maior, digamos assim, secretismo, pois o despique entre as diferentes Brincas é enorme - não só no que diz respeito ao fundamento a apresentar, mas igualmente em relação aos fatos usados, bandeira e sua decoração, etc. O ensaio geral é tradicional que se realize no local de origem da brinca, durante o baile de Sábado de Carnaval, fazendo-se a sua primeira representação em público sob os olhares críticos mas construtivos dos velhos das brincas de outros tempos.
Resta dizer que, durante os meses de ensaios para levantarem a brinca, esta funciona como um importantíssimo factor de coesão social de grupo, uma forma de animação cultural comunitária por excelência.

Sem comentários: