A procura de uma praxis teosófica adequada às mentalidades e às exigências éticas do Século XXI levou-nos a nós, aprendizes da Teosofia e inseridos numa comunidade, a reflectir e a trabalhar, a temática: “Teosofia e Cidadania – Uma visão global, uma prática local”.
Os 1.º e 2.º Objectivos da Sociedade Teosófica (1) nele são intuídos, senão expressos, nomeadamente através da inestimável e imprescindível vivência da Fraternidade Universal, assim como da prática na compreensão, na partilha, no estudo do(s) outro(s) e de nós mesmos, para podermos abarcar, compreender, dominar a Realidade à nossa volta e dentro de nós próprios.
Entrámos e instalámo-nos no Século XXI da Era Cristã, num mundo paradoxalmente marcado pela barbárie e pela selvajaria humanas, diria antes sub-humanas, e onde estas tristes mas factuais realidades são moda, basta olhar a televisão, a net, os jornais…
Nos dias de hoje, mais do que nunca, temos de olhar e repensar a essência da natureza humana. Esta encontra-se a ceder aos mais baixos instintos de animalidade, onde a emoção e o mental inferior se desenvolvem perigosamente, pondo em causa uma evolução harmónica, equilibrada e espiritual. A grande tentação das hegemonias e dos imperialismos, olhados pessoal ou colectivamente, quaisquer que sejam as suas colorações – religiosas, económicas, culturais, civilizacionais –, conduzem a Humanidade a cometer autênticos genocídios e inclusivamente deteriorando irreversivelmente a própria vida natural do planeta.
Choques de culturas, choque de civilizações, choque de religiões, aliados à intolerância, ao despotismo e à prepotência, que caracterizam e normalizam a acção humana, são o apanágio do homem contemporâneo onde quer que ele se encontre.
A pegada humana está a marcar indelevelmente o solo fértil de Gaia. O planeta está a sofrer uma imensa e arriscada provação. Falando metaforicamente, o Dragão Negro está a possuir e a dominar as mentes, as consciências e, o que é mais grave, o coração dos homens, transformando os valores de uma cidadania partilhada em práticas de predação, de horror e de insensibilidade.
Nunca as palavras Fraternidade, Religião e Amor, estiveram tão vazias de sentidos e de sentir. O primado do ter sobrepõe-se irremediavelmente ao primado do Ser.
Nunca me canso de ler as palavras de grande sageza, que chegaram até nós por intermédio de Helena P. Blavatsky através da sua obra-prima literária e filosófica “A Voz do Silêncio” (2):
“Que a tua Alma dê ouvidos a todo o grito de dor como a flor de lotus abre o seu seio para beber o sol matutino.
Que o Sol feroz não seque uma única lágrima de dor antes que a tenhas limpado dos olhos de quem sofre.
Que cada lágrima humana escaldante caia no teu coração e aí permaneça; nem nunca a tires enquanto durar a dor que a produziu.”
Lágrimas, terror, sofrimento chegam constantemente aos nossos sentidos através dos mass-media. Infelizmente temos a capacidade tecnológica de presenciar a(s) guerra(s) em directo. A grande quantidade de informação manipulada, distorcida e censurada, entorpece-nos o sentir. Olhamos, vemos, ouvimos, tomamos partido, mas falta responder à grande questão: como actuar? Como agir, enquanto indivíduos racionais e conscientes, perante este caótico estado de coisas? Perante estas “normalizadas” atrocidades de lesa humanidade, destituídas de qualquer ética?
Imaginemos, através de uma imaginação criadora, que contemplamos a Terra dos altos céus: de imediato sentimos na nossa carne a agonia dos seres vivos! A Terra encontra-se coberta de feridas, cheia de cicatrizes, sangrentas, latejantes... causa de sofrimentos desmedidos...
Mais uma vez recorro à palavra legada por um Mestre de Sabedoria, a apontar caminhos, oferecidas por Mabel Collins, no seu livro “Luz no Caminho”: (3)
“Procura em teu coração a raiz do mal e arranca-a... Somente o forte pode destruí-la. O fraco tem que esperar o seu crescimento, a sua frutificação e a sua morte. É esta planta que vive e se desenvolve através das idades...
Não vivas no presente, nem no futuro, mas sim no eterno. Ali não pode florescer esta erva gigantesca...
Cresce como cresce a flor, inconscientemente, mas ardendo em ânsias de entreabrir a sua nova alma à brisa. Assim é como deves avançar: abrindo a tua alma ao eterno.”
Gostaria de transcrever, uma citação atribuída a Mestre Jesus – o Cristo – no momento em que se encontrava na Cruz da Transfiguração: “Eli, Eli, lama Zbacthni.” – “Aqueles que me difamarem, manterão abertas as minhas feridas”. Será esta uma leitura e interpretação destas palavras tão significantes, que os cristãos, principalmente os que optaram pela via da guerra, deveriam continuamente lembrar. Por certo que igualmente se recordarão das tão simples e tão belas palavras de Jesus inscritas no Evangelho segundo São João (4) – “Eis o meu mandamento: Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei.” Fazer a guerra à Humanidade é fazer a guerra a Cristo, é recusar, repudiar e espezinhar a Sua Palavra, o Seu Exemplo, a Sua Memória.
Lembremo-nos da grande verdade de que, não importa quão vasta a escuridão, quão vasta a noite, contudo uma pequena chama de vela detém essa grande escuridão. Na sua insignificância é invencível porque é Luz.
Jesus, o Cristo, não veio ao seio da Humanidade fundamentalmente para sofrer em si próprio a dramatização da morte. Ele não é, nunca o foi, o Cristo morto. A Vida e não a morte, a Luz e não as trevas, são o Seu ensinamento. Ainda no Evangelho segundo São João (5), podemos ler as palavras atribuídas a Jesus: “Eu sou a luz do mundo; o que me segue não andará nas trevas; mas terá a luz da vida.”.
Que cada um de nós mantenha acesa a sua pequena chama. Cada qual, por si, pode tão só significar uma fraca luz, contudo a natureza de todas as chamas é a mesma, é Una. E todas juntas, na sua Unidade Essencial, firmemente dirigidas e erigidas aos céus ensombrados pelas densas nuvens negras do ódio e da ignorância, poderão, a pouco e pouco, afastar as trevas e fazer surgir mais uma vez e sempre a Grande Chama Universal, corporalizada pelo Sol a que os antigos denominavam por Cristo Solar ou Logos Solar...
Mais Fraternidade, mais Compaixão e mais Amor são precisos para que essa Chama Universal se manifeste e realmente se torne uma Realidade viva e verdadeiramente transformante e transformadora nos corações e nas consciências da Humanidade que é Una!
Temos dentro de nós próprios, enquanto seres humanos, a possibilidade de sintetizarmos, de compreendermos e de reproduzirmos o Kaos e ou o Cosmos.
Atentemos à verdadeiramente extraordinária e misteriosa Unicidade de Vida e à prática quotidiana do Autoconhecimento, ambos transmitidos pela Teosofia desde sempre, e tenhamos a ousadia de assumir, segundo a segundo, minuto a minuto, uma Cidadania do Espírito... tal como referia o Senhor Leadbeater:
“Sê aquilo que és e faz o que tens a fazer!”
Rui Arimateia “Textos Teosóficos XI”
Évora Ramo “Boa-Vontade” da Sociedade Teosófica de Portugal
NOTAS:
(1) Objectivos da Sociedade Teosófica: 1.º- Formar um núcleo de Fraternidade Universal da Humanidade, sem distinção de raça, credo, sexo, casta ou cor. 2.º- Encorajar e promover o estudo comparativo das Religiões, Filosofias e Ciências. 3.º- Investigar as leis inexplicadas da Natureza e os poderes latentes no homem.
(2) Livro traduzido para a língua portuguesa por Fernando Pessoa, na Livraria Clássica Editora (Colecção Teosófica e Esotérica), em 1921.
(3) Livro traduzido para a língua portuguesa por Fernando Pessoa, na Livraria Clássica Editora (Colecção Teosófica e Esotérica), em 1921.
(4) São João, XV-12.
(5) São João, VIII-12.
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