De tempos a tempos somos levados a reflectir na importância simbólica, espiritual e maçónica do fenómeno solsticial, inserido este no ciclo de um ano e directamente relacionado com o posicionamento do Sol face à Terra, ou vice-versa. Com efeito, no Solstício de Inverno inicia-se a fase ascendente do ciclo anual; marcando o Solstício de Verão o início da fase descendente.
No simbolismo greco-romano têm o nome de portas solsticiais e são representadas pelas duas faces de Janus, que, por sua vez, deram origem aos dois São João, de Inverno a 27 de Dezembro e de Verão a 24 de Junho. A porta invernal introduz a fase luminosa do ciclo enquanto que a porta estival está relacionada com o, a partir desse momento, progressivo obscurecimento.
Realidade Natural que se faz sentir desde os primórdios da Criação, foi contudo aproveitada pelos Homens Sages para fazer transportar para as vivências da Humanidade outras Realidades, qualitativamente superiores, estas de cariz mais Espiritual e ligadas às tradições dos Mistérios.
Nada melhor que o simbolismo de Janus para que pudesse ser transmitido aos homens o conceito de princípio permanente, pois que, este deus de cara dupla simbolizava o Uno Imanifestado que ligava o passado e o futuro no Único e Eterno Presente.
Os iniciados romanos faziam representar Janus com duas caras, uma, jovem, simbolizando o ano crescente, a outra, velha, símbolo do ano moribundo. Contudo, porque símbolo do Sol, Janus não passava de uma realidade virtual, pois a Realidade Última, perene e inefável, teria que ser apreendida para além da manifestação dualística e exterior.
Deixai-me citar aqui um belo texto que aborda muito inspiradamente o simbolismo de Janus e a sua relação com os dois São João e a Maçonaria. Ouçamos então um pequeno trecho da obra Simbolo, Rito, Iniciacion (por Siete Maestros Masones, Ed. Obelisco, Barcelona, 1992, págs.203-205):
"As festas ritualísticas dos dois São João, como em certa medida toda a celebração litúrgica, repousam pois sobre o seguinte postulado: o tempo cósmico e humano está sujeito à regeneração perene, sendo este vaivém rítmico dos solstícios como que uma imagem e um reflexo sensível e natural desta lei universal.
Já os antigos romanos celebravam anualmente as festas solsticiais dedicadas ao deus Jano, onde poderemos encontrar as mesmas significações simbólicas que se atribuem aos dois São João. Como eles, Jano presidia às fases ascendente e descendente do ciclo anual, e era considerado como o «porteiro» (ianitor), que com as suas duas chaves, uma de prata e outra de ouro, abria e fechava as épocas. Por isso mesmo era denominado também como o «Senhor do Tempo», o criador do mundo e pai dos deuses. Jano possuía as chaves (de clavis, chave) dos mistérios ligados à iniciação. As duas chaves estavam relacionadas com os dois rostos que possuía (por isso também o qualificativo de Jano Bifronte). Um deles olhava para a esquerda e estava relacionado com o passado, com o que fomos, e que como tal condiciona inevitavelmente o nosso presente. Ao rosto da esquerda se lhe adjudicava a chave de prata, chave (ou clave) que abria a porta de acesso aos mistérios ligados com a primeira fase da iniciação, em que o recipiendário tem que tomar consciência de si próprio, esforço que necessariamente implica a regeneração total da psique ou da alma, elevando-a a um plano superior que por sua natureza lhe pertence. Por sua vez, a chave de ouro estava na posse do rosto que olha a direita e o futuro. Poderíamos dizer que o futuro - onde o tempo não é - se relaciona simbolicamente com o mundo celeste e uraniano (Solar), e cujos mistérios estão ligados com a segunda fase da iniciação. E é precisamente no seu papel de «iniciador no Conhecimento», que foi venerado pelos Collegia Fabrorum da Roma Imperial, antecessores directos dos grémios iniciáticos de construtores e artesãos que floresceram na Idade Média, período histórico onde precisamente Jano foi reabsorvido na forma cristianizada de São João Baptista e São João Evangelista, dos que se diz representarem as duas modalidades ou aspectos de um só e mesmo ser."
A Maçonaria, enquanto Escola ligada à Tradição e aos Mistérios Antigos, fez coincidir com os solstícios de Inverno e de Verão, respectivamente São João Evangelista e São João Baptista. Os Santos que representavam um papel importantíssimo no grande Drama da Vida Mistérica: o do enquadramento humano daquela figura divina, daquele avatar universal - o Cristo. São João Baptista - o Precursor, anunciou a Luz e a Palavra de Cristo; por sua vez, São João Evangelista assumiu a continuidade dessa Luz e da Sua Palavra, garantindo a Sucessão Evangélica através da Iniciação Solar.
Luz e Iniciação são as realidades apontadas nestas Festas Solsticiais, que, por sua vez, marcam os pontos zénite e nadir da luz solar do ciclo natural anual.
Luz, manifestada como Fogo Solar, símbolo universal do Poder Divino. Refere H. P. Blavatsky na sua obra As Origens do Ritual na Igreja e na Maçonaria (Ed. Pensamento, S. Paulo, s./d., pág. 9):
"Sobre toda a superfície da terra - do Pólo Norte ao Pólo Sul, dos golfos gelados dos países nórdicos às planícies tórridas do sul da Índia, na América Central, na Grécia e na Caldeia - era adorado o Fogo Solar, como símbolo do Poder Divino, criador da vida e do amor. A união do sol (o espírito, elemento masculino) com a terra e a água (a matéria, elemento feminino) era celebrada nos Templos do universo inteiro."
Refere-nos igualmente Ragon, eminente mação, que o Sol era a mais sublime e natural das imagens do Grande Arquitecto; igualmente, a mais engenhosa de todas as alegorias pelas quais o homem moral e bom (o verdadeiro sábio) simbolizara a Inteligência infinita, sem limites.
Que a Luz nos seja facultada...
Até ao São João de Inverno... Paz a Todos Seres!
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