sábado, 2 de janeiro de 2010

A IMPLOSÃO DA MENTIRA

Novo ano de 2010. Chegámos. Façamos votos para que as nossas relações, os nossos compromissos pessoais, profissionais, etc., sejam marcados pela Verdade. Daí que nos fizesse reflectir o poema "A implosão da mentira" dado à luz por Affonso Romano de Sant'Anna.

Mentiram-me.

Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente.
Mentemde corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.
Mentem, sobretudo impunemente.Não mentem tristes, alegremente
mentem. Mentem tão nacionalmente

que acho que mentindo história afora,
vão enganar a morte eternamente.
Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases

falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.
Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura. Mas não se chega à verdade
pela mentira, nem à democracia
pela ditadura.

Evidentemente a crer
nos que me mentem
uma flor nasceu em Hiroshima

e em Auschwitz havia um circo permanente.
Mentem. Mentem caricaturalmente, mentem como a careca
mente ao pente, mentem como a dentadura
mente ao dente,mentem como a carroça
à besta em frente, mentem como a doença
ao doente, mentem claramente
como o espelho transparente. Mentem deslavadamente
como nenhuma lavadeira mente

ao ver a nódoa sobre o linho. Mentem
com a cara limpa e nas mãos o sangue quente. Mentem
ardentemente como um doente

em seus instantes de febre. Mentem
fabulosamente como o caçador que quer passar
gato por lebre. E nessa trilha de mentiras
a caça é que caça o caçador
com a armadilha.E assim cada qual
mente industrialmente,

Mente partidariamente, mente incivilmente,
mente tropicalmente,
mente incontinentemente,

mente hereditariamente, mente, mente mente.
E de tanto mentir tão bravamente

constroem um país
de mentira
diariamente.

Mentem no passado. E no presente
passam a mentira a limpo. E no futuro
mentem novamente.
Mentem fazendo o sol girar
em torno à terra medieval/mente.
Por isto, desta vez, não é Galileu
quem mente.
mas o tribunal que o julga
herege/mente.
Mentem como se Colombo partindo
do Ocidente para o Oriente
pudesse descobrir de mentira
um continente.
Mentem desde Cabral, em calmaria,
viajando pelo avesso, iludindo a corrente
em curso, transformando a história do país
num acidente de percurso.
Tanta mentira assim industriada
me faz partir para o deserto
penitente/mente, ou me exilar
com Mozart musical/mente em harpas
e oboés, como um solista vegetal
que absorve a vida indiferente.
Penso nos animais que nunca mentem.
mesmo se têm um caçador à sua frente.
Penso nos pássaros
cuja verdade do canto nos toca
matinalmente.
Penso nas flores
cuja verdade das cores escorre no mel
silvestremente.
Penso no sol que morre diariamente
jorrando luz, embora
tenha a noite pela frente.

Página branca onde escrevo. Único espaço
de verdade que me resta. Onde transcrevo
o arroubo, a esperança, e onde tarde
ou cedo deposito meu espanto e medo.
Para tanta mentira só mesmo um poema
explosivo-conotativo
onde o advérbio e o adjectivo não mentem
ao substantivo
e a rima rebenta a frase
numa explosão da verdade.
E a mentira repulsiva
se não explode pra fora
pra dentro explode
implosiva.

Affonso Romano de Sant’Anna

1 comentário:

Isabel José António disse...

José António:

Neste ano de 2010, que todos possamos dar passos no caminho do discernimento, da mudança de Paradigma do “ter” para o “SER” e começarmos e conseguir ver cada Ser Humano como uma ALMA num corpo físico e não, como até aqui, como um corpo que “tem” uma alma…

Isabel:

Celebremos com gratidão os que nos deixaram em 2009.
O meu desejo para 2010 é de que tenhamos DISCERNIMENTO para distinguir o que é ESSÊNCIAL daquilo que apenas o parece, que tenhamos BONDADE a lidar com todos, inclusive connosco próprios, que tenhamos CORAGEM para respondermos aos Desafios e eventuais dificuldades que surjam, como OPORTUNIDADES de CRESCIMENTO e de SERVIÇO ao BEM COMUM e que se REALIZEM os nossos MELHORES e MAIS BELOS SONHOS!