quarta-feira, 25 de março de 2009

TRADIÇÕES DE ÉVORA - A CIVILIZAÇÃO MEGALÍTICA DO ALENTEJO

“As nações todas são mistérios.
Cada uma é todo o mundo a sós.”
F. Pessoa

Não sendo arqueólogo, e longe de mim a ideia de meter a foice em seara alheia, gostaria todavia de partilhar um conjunto de ideias por sua vez induzidas por leituras de diversos autores tais como Pinharanda Gomes, Dalila Pereira da Costa, Mircea Eliade, António Quadros, entre outros, que me deram alguns instrumentos de observação/reflexão para olhar, de uma certa maneira, aquilo a que nos habituámos a nomear por Civilização Megalítica Alentejana.
Na falta de textos ou documentos, ante uma Tradição perdida nos confins dos tempos, não há outro recurso senão adivinhá-la... Daí a importância da busca de arquétipos, que fundamentam a Existência, num dado local, de um Centro do Mundo, de um espaço e de um tempo sagrados e ou sacralizados, sempiternos e autenticamente transformantes. Da Acrópole Eborense, com o Templo Romano, não esquecendo a eventual Mesquita-Catedral e a Sé Cristã, ao olharmos o Ocidente, estaremos a situar-nos rectilineamente com os Almendres, isto é, com o cromeleque e com o menhir assim conhecidos e situados na Herdade com o mesmo nome.
Encontramo-nos perante Símbolos de Pedra, porém atentemos que por detrás do Símbolo permanece, perene e inato, o Mistério da Realidade.
Quando falamos de Civilização Megalítica às gentes do termo de Évora imediatamente lhes ocorrem três ou quatro arqueosítios de importância fundamental para a compreensão da Totalidade desta terra eborense: Almendres, Portela de Mogos e Vale de Maria, com os seus cromeleques; Valverde e a sua monumental e única Anta Grande do Zambujeiro, entre dezenas e dezenas de outros de importância complementar.
Se os dolmens ou antas são construções dedicadas a uma função eminentemente funerária – tendo em vista a celebração do culto dos mortos, dos antepassados –, oferecendo aos arqueólogos grandes quantidades de espólio, os menhires e os cromeleques, apresentam-se como formas mais austeras, mais simples, suportando interpretações funcionais diversas, por sua vez resultantes da superestrutura religiosa das sociedades que os erigiram, ao longo de centenas ou mesmo de milhares de anos!... Complexificando-os, completando-os, adaptando-os às emergentes necessidades e aspirações religiosas e humanas – talvez naqueles tempos coincidentes – dos diferentes momentos evolutivos, civilizacionais e culturais. No entanto, é hoje geralmente aceite que estes últimos monumentos se encontram conotados com diferentes funções propiciatórias, humanas, animais e agrícolas, relacionadas com cultos e observações astrais, nomeadamente do Sol e da Lua.
No que diz respeito aos núcleos de megálitos alentejanos, constata-se a tendência evolutiva de penetração do homem do Neolítico, da orla marítima para o interior, até ao rio Guadiana. Acompanhando os caminhos naturais abertos ao longo da estruturação geológica da paisagem pré-histórica alentejana, nomeadamente através do desbravamento e posterior utilização dos festos, isto é, dos vales das bacias hidrográficas.
O homem vai avançando, do litoral para o interior, e simultaneamente, vai apropriando e sacralizando o espaço, ora pela erecção de menhires ora pela construção de cromeleques. Estamos perante uma manifestação da relação do homem com a Tellus Mater – numa re-ligação telúrica...– periodicamente renovada, pois que o povoamento destas regiões remontam ao longínquo paleolítico de que as inscrições e gravações da Gruta do Escoural dão testemunho. Assim, os menhires e os cromeleques teriam funções de carácter simbólico, enquanto elementos da organização religiosa do espaço, formando os assim denominados axis mundi, os centros do mundo. Esta organização estrutural ordenava o caos original, sacralizava-o, transformava-o em Ordem (ORDO AB CHAO) – transformava-o num Cosmos. Estaremos, em última análise, perante um ritual de fundação, de ocupação humana da região, conferindo-lhe características de habitabilidade. Assim, os menhires, e por extensão os cromeleques, constituir-se-ão enquanto elementos humanizadores do espaço, originando a sua apropriação, identificação, cosmização.
Abrindo aqui um parêntesis: e que dizer quando os navegadores portugueses das Descobertas de Quinhentos erigiam nas novas terras um Padrão de Descoberta? Não teria este a mesma função daquela que o homem desbravador do Neolítico conferia ao menhir? A sacralização do espaço dominado para que este se torne propício a ser habitado.
Poderemos olhar os sinais deixados há milhares e milhares de anos e tentar balbuciar uma leitura a fim de nos ligarmos intuitivamente àquela distante humanidade que procedeu à construção da Obra megalítica. Até porque, para a compreensão da nossa realidade, da nossa Alma Portuguesa, teremos necessariamente que descer aos fundos abissais do seu inconsciente colectivo, dos seus mitos e dos seus símbolos regeneradores.
Urge abordar estes monumentos – os cromeleques, com os seus menhires decorados com altos e baixos relevos, representando espirais, labirintos, ondas de água, círculos, báculos, ferraduras, crescentes... – e analogicamente imaginar, criadoramente, como eles eventualmente teriam sido vistos e usados por aquela primeva humanidade, e por ela e para ela sempre teriam agido: como CENTROS DE FORÇA CÓSMICA sagrada e sua activação e propagação pelos homens, como animadores duma força única: a VIDA.
Épocas de profundas religiosidades, terão gerado uma humanidade imbuída de um profundo sentido do sagrado, isto se compararmos a nossa actual visão humana redutora e de todo dessacralizada, completamente profana, até quando se diz seguidora de uma ou outra religião. Os homens, naquelas distantes épocas, e por aquilo que nos legaram, seriam detentores do CONHECIMENTO porque ainda se encontravam ligados e assumiam uma participação activa da força do Cosmos, fonte e raiz primordial de toda a Vida.
Será essa captação, essa participação e irradiação da força do Cosmos, testemunhada por esses símbolos e signos, em monumentos e objectos culturais/cultuais, que chegou até nós, através dos milénios? Serão estes a expressão duma única e una Sabedoria Universal, a da Tradição-Sabedoria das Idades?
Desde as mais remotas idades tais locais – onde o Sagrado se manifesta através do gesto e da manipulação humana – foram usados para fins cerimoniais de re-ligação, tendo em vista os Mistérios internos da Humanidade, em última análise tendo em vista uma Iniciação...
Desde sempre a Humanidade tentou alcançar a Perfeição, a Sageza, tentou realizar a transposição da Terra para o Céu – o Paraíso Perdido –, e simbolicamente, transitar da morte para a imortalidade, encorajada, fortalecida e mesmo auxiliada por estas pedras vitais.
A pedra caracteriza o Imutável, tipifica a Ordem Antiga das Idades, reproduzida e manifestada pela autêntica Tradição, aquela que canta a Vida, que orienta para o Cosmos, a que aponta a re-ligação com o Todo...
Trabalhando a pedra, orientando a pedra, desde os círculos e os alinhamentos megalíticos pré-históricos, os quais produziriam certo tipo de energia cósmica para auxiliar o homem dessas épocas longínquas na sua luta diária pela existência, até à elevação das Catedrais Góticas das nossa eras – as correntes espirituais da Terra, da Água, do Ar e do Fogo, continuam a tocar o homem quando ele se apresenta em tais locais sagrados, com reverência, humildade e receptividade.
Então poderá ele elevar-se, rapidamente, acordar para as coisas, para a Realidade que o circunda mas que nem sempre consegue compreender.
Estaremos, no sítio dos Almendres, em presença de uma Obra dos primeiros trabalhadores da Pedra? As ferramentas, no fundo, são as mesmas: o malho e o cinzel, assim como o objectivo: a ligação ao Eterno... da pedra bruta à Pedra Cúbica, da ignorância à Perfeição...
Eis-nos perante uma manifestação primeva da Arte Real da Construção.
O Grande Ritual consiste em integrar o nosso centro vital no Grande Centro Cosmogónico/Cósmico da Vida Universal, cujo fulcro interior é o Silêncio...
Estamos perante um exemplo concreto em que a palavra perdida nos impossibilita realizar a compreensão da totalidade deste Centro do Mundo.
Resta-nos re-iniciar continuamente a Demanda...

Rui Arimateia
Évora, Fevereiro de 2000
Publicado in PARADOXIAS 1

1 comentário:

Anónimo disse...

Experiência.