NOTÍCIA
SOBRE AS BRINCAS DE ÉVORA
As Brincas do Entrudo de 2014
Neste Entrudo do ano de 2014 só
irá sair para a rua uma Brinca de
Carnaval – a do Bairro de Almeirim / Rancho Folclórico Flor do Alto Alentejo e
irá apresentar-se por diversos locais do Concelho de Évora, principalmente nas
freguesias rurais e quintas ao redor de Évora. Irá também apresentar-se no
Centro Histórico (Praça do Giraldo e Praça de Sertório).
No Sábado, dia 1 de Março,
participou no Festival Entrudanças, em Entradas / Castro Verde, evento cultural
organizado pela Associação PédeXumbo.
Recordemos que...
As
Brincas são das manifestações
tradicionais mais representativas do Carnaval de Évora. Consistem numa
manifestação cultural tradicional, ainda hoje viva, sendo únicas pela forma e
pelo conteúdo, pela originalidade e pela criatividade. São um sub-género da
dramatização popular, musicadas e coreografadas, tendo por base um fundamento constituído por um “corpus”
de décimas, tão características do Alentejo, e um dos pilares das oralidades da
cultura popular alentejana.
Excertos de um
fundamento escrito por Mestre Raimundo, “As Encantadas”...
Foi
assim apresentada a “fórmula” do Mestre iniciar o fundamento no “Grupo das
Encantadas”:
MESTRE
1.ª
Senhor
venho-o cumprimentar
Com a
minha delicadeza
E
pedir-lhe a fineza
Se nos
deixa aqui apresentar
Nada
podemos falar
Sem a
sua autorização
O
Senhor é o patrão
Eu
cumpro o meu dever
Faz
favor de me dizer
Se me
á licença ou não
2.ª
Fico-lhe
grato senhor
Que
atenda o meu pedido
Eu
fico-lhe agradecido
Muito
obrigado pelo favor
Já
tenho a rua ao dispor
Pois
irei o sinal dar
O povo
está a esperar
A
nossa apresentação
Dou-lhe
um aperto de mão
E
vamos já iniciar.
3.ª
A
todos muito boa tarde
A
todos muita saúde
Que
Deus os ajude
Com
sua bondade
Esta
mocidade
Vem
aqui alegremente
Cumprimentar
toda a gente
De
dentro do coração
Peço-lhe
muita atenção
E não
cheguem muito para a frente
4.º
Isto é
um divertimento
Que
nós mandámos fazer
Mas
devem de gostar de vir
Este
nosso entretimento
Não é
um fundamento
Com
toda a perfeição
É a
revolta de uma nação
É a
vida que foi vencida
Com um
filho anda fugida
E
muitos assuntos se verão.
../...
Continuando a falar sobre as
Brincas...
As
mensagens da brinca abalam de facto as
estruturas sociais mais sólidas: a família, a autoridade, a igreja, o poder
instituído, a moralidade e os bons costumes.
Se
o fundamento, na brinca, representa a narração de uma situação normal (normalizada) que caracteriza toda uma
ordem quotidiana, a principal figura da brinca
- o
Palhaço/o Faz-Tudo - personifica a desordem, o caos, o
diabo, a loucura, em suma, a ausência de ordem, de lei, de respeito, realizando
ele, no decorrer de toda a dramatização, a inversão total dos valores
veiculados pelos seus restantes companheiros, que fazem os possíveis e os
impossíveis para o ignorar -
ele, para eles, não existe...
Deste
modo, será legítimo afirmar que o Faz-tudo
põe em causa tudo, inclusive a própria brinca
e o seu fundamento.
É
exactamente por este emaranhado de situações, mais ou menos complexas, que só
faz verdadeiro sentido nós encararmos a brinca
no contexto mais amplo do próprio Carnaval, inserido este no calendário das
principais Festas Cíclicas (Agrárias) Anuais. Não o Carnaval domesticado, legitimado, vendido, bem educado, isto é, o Carnaval citadino
e urbano, mas sim aquele tempo de festa, de jogo, onde a transgressão, a loucura,
o imoral deveriam ter sido, em eras
passadas, os únicos valores, ou melhor, anti-valores
aceites num tempo e num espaço de renovação, de exaustão do velho e do gasto, para que o novo (ou
renovado) pudesse emergir, ressuscitar, germinar com o aparecimento da
Primavera. Daí o denominar-se, tradicionalmente, desde tempos imemoriais, de Entrudo
(Entrada) esta época de caos e desordem
que antecedia paradigmaticamente a génese da organização natural e humana.
Entrudo para uns e Carnaval para
outros...
O
tempo do Carnaval era tradicionalmente tempo de festa, de jogo, onde a
«transgressão», a «loucura», o «imoral» e a «paródia» deveriam ter sido, em
eras remotas, os únicos valores aceites de um tempo de renovação, de exaustão
do «velho» e do «gasto» para que o «novo» pudesse ressuscitar, germinar com a
Primavera. Talvez daí o facto de se chamar, desde tempos imemoriais, de Entrudo
(Entrada) a esta época de caos e desordem que antecedia paradigmaticamente a
génese cíclica da transformação natural e da organização social.
Notícias antigas sobre as
Brincas de Carnaval de Évora...
O Carnaval
Acerca das festas
e divertimentos carnavalescos, publicou hontem o governador civil do districto
d’Évora, sr. dr. Domingos Rosado, um edital que contem as seguintes
disposições:
(…).
3.ª – As danças,
revistas, ou quaesquer grupos de mascaras nas ruas e logars públicos só podem
ser consentidas quando vão munidas de licença da autoridade policial, e sempre
de forma que não impeçam o transito e o socego publico.
(…).
Notícias de Évora, n.º 6951 de 28 de Fevereiro
de 1924 (à pág. 2)
Ainda o Carnaval
nas quintas do Louredo e Espinheiro
Com grande animação,
realisaram ali as festas nos 3 dias de Carnaval, uma sociedade de rapazes,
organizando umas danças, em que se apresentaram decentemente, sendo os
promotores das danças, os srs. Jasuino Carrageta e Joaquim da Cândida e outras
sociedades. Houve opiniões da maioria, que as danças mais aplaudidas foram as
do sr. Jasuino Carrajeta.
Felicitamos as
sociedades do Louredo e Espinheiro.
Notícias de Évora, n.º 6962 de 14 de Março de
1924 (à pág.1)
O que eram as Brincas...
Tradicionalmente,
as Brincas eram constituídas somente
por homens, travestindo-se, se necessário, para o desenrolar do fundamento, numa média de quinze a
vinte: um mestre, dois ou três
palhaços (os faz-tudos), meia dúzia
de músicos, onde a bateria (bombo e
caixa) e a concertina têm um papel fundamental, um porta-estandarte e os
restantes figurantes para a execução/representação do fundamento.
Convém
clarificar que se denomina brinca o
grupo de homens ou rapazes que se organizam anualmente (ciclicamente) para a
construção e execução de uma dramatização popular durante a época festiva do
Carnaval. No entanto, poderá igualmente entender-se por brinca toda a acção dramatizada (o fundamento), musicada (a contradança, a valsa, a canção, etc.) e
coreografada (as diferentes formações que têm lugar ao longo de toda a acção:
as rodas, etc.). que esse grupo
assume nas várias representações que realiza.
No
que diz respeito ao fundamento, em
termos formais é constituído por décimas de versos rimados. É a alma da brinca.
O
fundamento, apresenta um enredo, com princípio, meio e fim,
podendo este focar diferentes realidades sócio-culturais e históricas.
Diversificada poderá ser a temática desse enredo: episódios da Bíblia, da
História de Portugal, da realidade social alentejana, da guerra, contos
populares tradicionais, do comum quotidiano, entre outros.
Évora, 2 de Março de 2014
1 comentário:
Excelente! E durará o tempo que se quiser. Se existir um trabalho concertado entre a autarquia (cultura e educação, a Universidade (curso e artes e sociologia) e as zonas onde as "brincas" ainda tem raízes estas podem ser perpetuadas. No baixo Alentejo a Campaniça também esteve em extinção e hoje goza de boa saúde!
Lurdes
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