Tenhamos
consciência de que estamos inseridos numa sociedade que se caracteriza por um
conjunto de opções e de práticas baseadas em anti-valores humanos desconstrutivos,
privilegiando o consumo extremo, o endeusamento do capital, a busca alienada e
desenfreada do prazer pelo prazer e, finalmente, postulando uma total ausência
de compromisso individual ou colectivo perante o outro ou perante a Natureza,
acrescentando o fosso entre os poucos que tudo possuem e os demasiados que nada
detêm, nomeadamente em termos de acesso à Cultura, ao Desenvolvimento e ao
direito de se viver condignamente.
Daí a
importância da realização de reflexões como a que estamos conjuntamente a
realizar nesta edição de 2015 do Congresso “Por Terras do Endovélico” no
Alandroal em boa hora organizada pelo seu Município com a colaboração do Centro
de Estudos do Endovélico. Não esqueçamos de que até a ténue luz de uma vela
afasta a mais negra escuridão!...
Este meu trabalho, agora apresentado,
encontra-se ancorado em algumas premissas que continuamente me acompanham
nestas áreas de reflexão sobre Cultura e Religião e que passo a enumerar:
1.
Tudo
está ligado a tudo... ou, tal como é expresso nas palavras inspiradas de Hermes
Trismegistos: O que está embaixo é
como o que está em cima, e o que está em cima é igual ao que está embaixo, para
realizar os milagres de uma única coisa…” (ver Nota 1)
2.
A Unidade
da Vida é uma realidade sempre presente para a evolução natural e
harmoniosa de todos os seres vivos e do próprio Planeta;
3.
Não há Religião superior à Verdade,
encarando todas as manifestações do génio humano – religiosas, sociológicas,
antropológicas, filosóficas e científicas…– numa perspectiva Teosófica (ver Anexo único);
4.
Considero a Palavra como uma criação
superiormente inspirada – do Espírito, do Logos, de Deus, da Natureza, da Vida
Una… – que anima interiormente o homem e a mulher esse manifesta para a realização
e compreensão de maravilhas;
5.
Sempre a ter em conta: “Não separarás o teu ser do Ser, e do resto, mas fundirás o oceano na
gota de água, e a gota de água no oceano. / Assim estarás de acordo com tudo
quanto vive…” (ver
Nota 2)
Por outro lado, considero essenciais a
utilização de três ferramentas metodológicas para a desocultação dos
significados mais profundos do Espírito Religioso:
1.
A Poesia – pois esta permite-nos falar a
língua dos Deuses:
2.
A Imaginação Criadora – permite-nos ouvir e
entender a voz dos Deuses;
3.
A Analogia – permite-nos compreender a
intenção mais profunda nas diversas manifestação dos Deuses.
Tal como Fernando Pessoa comunicava numa
linguagem superiormente inspiradora quando nos legou o poema que de seguida se
apresenta e que nos permite a compreensão de uma Religião totalmente integrada
na Natureza:
Oscila o incensório
antigo
Em fendas e ouro
ornamental.
Sem atenção, absorto
sigo
Os passos lentos do
ritual.
Mas são os braços
invisíveis
E são os cantos que
não são
E os incensórios de
outros níveis
Que vê e ouve o
coração.
Ah, sempre que o
ritual acerta
Seus passos e seus
ritmos bem,
O ritual que não há
desperta
E a alma é o que é,
não o que tem.
Oscila o incensório
visto,
Ouvidos cantos estão
no ar,
Mas o ritual a que
eu assisto
É um ritual de
relembrar.
No grande Templo
antenatal,
Antes de vida e alma
e Deus...
E o xadrez do chão
ritual
É o que é hoje a
terra e os céus...
Fernando Pessoa (ver
Nota 3)
*
* *
A CONSCIENTIZAÇÃO DA UNIDADE DA VIDA
Construção de um homem novo num mundo em transformação
Uma das preocupações centrais da
Iniciação na antiga Religião dos
Mistérios, ao longo dos tempos, tem sido a de potencializar e possibilitar
a procura e o encontro ou re-encontro da UNIDADE DA VIDA pelo Peregrino,
viajante em demanda…
Procura baseada no pressuposto de
que a Relação Humana, a Verdade e a Liberdade estão, de facto, contínua e
dinamicamente presentes na Busca Espiritual e na Demanda pela Verdade última e
perene da Existência.
Hoje, o homem moderno perdeu ou está
a perder, a capacidade de vivenciar a mensagem mais profunda dos Mistérios e
dos símbolos da Vida e da Morte. Distancia-se mais e mais deles. O stress e a superficialidade dos
quotidianos, com todo o condicionalismo daí resultante, impossibilitam ao homem
actual relacionar e inter-relacionar as Grandes Verdades da Vida Una, tendo em
conta a complexidade das miríades de facetas das relações humanas que o
preenchem e o distraem daquilo que mais importa!...
Verdade, Unidade e Liberdade são,
afinal, grandes objectivos de vida que desde sempre o homem procurou alcançar
através de diferentes caminhos, de diferentes perspectivas: Religião,
Filosofia, Ciência, Arte... É essencial que, cada um por si, procure a sua
própria Via, procure escutar o acorde harmonioso que a ponha em sintonia com a
Via do Coração, representante da chave autêntica que abre a porta dos Mistérios
da Natureza, dando acesso ao Graal da Sageza das Idades a fim de nele beber e
saciar a insaciável sede do sagrado.
Existem duas perguntas, fundamentais
para a consciencialização e compreensão do ser humano em demanda: de onde vimos
e para onde vamos?
Poderemos filosoficamente tentar uma
resposta: – vimos da Unidade e voltamos à Unidade. Integração e re-integração. A
premissa essencial para se colocar e tentar responder à pergunta é a
compreensão e a apresentação como hipótese de trabalho da UNIDADE DA VIDA como
um facto real e de autêntico desenvolvimento humano.
Vimos de um Todo e voltamos para um
Todo. De um estado de ser potencial de pré-nascimento – para todos nós o
Desconhecido, – para um estado de ser pós-morte – igualmente o Desconhecido.
Temos contudo, e perante o atrás referido, a consciência de que no nosso estado
de evolução espiritual, o processo total da Unidade da Vida é-nos, apesar de
tudo, ainda desconhecido.
Só o
Presente nos é presente!
Podemos considerar que a criança,
desde o primeiríssimo momento da sua existência enquanto Ser Humano, se
encontra unida à Vida Cósmica. Com o desenvolvimento e a afirmação da sua
personalidade, vai-se artificialmente separando da Realidade Última da própria
Existência e “converte-se” numa entidade separada, absorta no complexo processo
de crescimento e desenvolvimento do seu ser.
Afinal o “pecado original” não será
outro senão o da assumpção do estado de separatividade e do
“esquecimento”/recusa da UNIDADE essencial da Vida.
Contudo, tendo em conta a natureza
da Iniciação aos Mistérios, a vida de um ser humano é apenas um dia na mais
vasta vida do Espírito do verdadeiro Homem – o Eterno Peregrino nestes ritmos
da Criação.
Por toda a parte observamos o mesmo
Alento Criador: a manifestada múltipla diversidade procedente da Unidade e o
seu retorno à mesma Unidade da Vida Cósmica. É o canto da Criação do qual fazem
parte todos os cantos, todos os ritmos do Universo.
Vem a propósito um pequeno fragmento
do poético e inspirador livro, da autoria de Mabel Collins, Luz sobre o Caminho (ver Nota 4), pérola literária da filosofia
teosófica do século XX:
«(…) apenas fragmentos da grande
canção chegam aos vossos ouvidos. Mas se a escutais, lembrai-a bem, para que
nada que chegou até vós seja perdido, e tentai nela aprender o sentido do
mistério que vos cerca. Em tempo não precisareis de mestre. Porque, assim como
o indivíduo tem voz, também a tem aquilo em que o indivíduo existe. A própria
vida tem fala e nunca está silenciosa. E a sua fala não é, como vós os surdos
podeis crer, um grito; é uma canção. Nela aprendei que vós sois parte da
harmonia; nela aprendei a obedecer às leis da harmonia.(…).»
Vivamos momentos de Paz e de
Solidão, “aniquilando-nos”, isto é, integrando-nos na Vida que, sem cessar,
cresce e se desenvolve ao nosso redor e em nós. Tentemos escutar e ouvir a
Canção da Vida e ousemos transmutar-nos a partir da nossa natureza interior.
Alimentemos o fogo que arde no nosso mais recôndito Santuário, tentemos fazer
com que o Sol consiga livremente iluminar a chama interna e eterna conservada
no interior do nosso Coração.
Diz-nos o sufi marroquino Sheij Sidi
Hamzaque: “O verdadeiro conhecimento
somente se obtém através da humildade. O modo correcto de nos dirigirmos a ele,
deverá assemelhar-se ao de uma pessoa que quer beber água de um riacho: deverá
inclinar-se para a beber. A água está sempre situada no lugar mais baixo, temos
necessidade de ser como a água.”
O Conhecimento, por mais
incipiente que seja, implica responsabilidade. Um trabalhador que use
eficazmente a sua ferramenta de ofício é-lhe exigido socialmente cada vez mais,
maior perfeição. A Obra – de transformação de si próprio e do que o rodeia –
precisa, em cada dia que passa, de mais e de melhores trabalhadores e a Obra
inicia-se a todos os momentos em nós próprios. Para se compreender o
subjacente, o autenticamente verdadeiro na Obra, para se compreender o seu
âmago, a sua essência, há que buscar e compreender a perenidade dos símbolos e
das mensagens espirituais Nela implícitos.
Importa dizer que
Conhecer é viver, é ensinar, é aprender, mas também é, e sobretudo, estar em
comunhão com o outro, estar num estado de Compaixão, de solidariedade e de
dádiva.
Conhece-te a ti próprio… Conhecer é Ser mais e melhor…
Nos Antigos Mistérios da Humanidade – de Elêusis, de Ataegina, de
Mitra, de Isis, de Orfeu, de Dionísio,dos Egípcios, dos Tibetanos, dos Celtas,
dos Cristãos, dos Gnósticos, dos Sufis, e de tantos outros… –, através de uma abordagem muito particular da
alegoria e do símbolo, os desejos mais íntimos que a Humanidade tem expressado
ao longo de toda a sua História e Evolução têm sido: a conquista do Paraíso
Perdido, ou do Jardim do Éden ou das Hespérides, ou de Agartha ou de Shambbalah,
ou das Ilhas Encobertas ou do palácio do Rei Pescador, ou do Castelo do Graal,
etc., consoante as diferentes culturas ou civilizações. Todavia, no fundo,
trata-se de conseguir uma mutação qualitativa da consciência do homem com o fim
de conseguir viver uma União com o Todo – tal qual a Parábola Bíblica do
regresso a casa do Filho Pródigo –,
pois o Homem sempre viveu integrado no Todo, contudo, paradoxalmente procura-O
à sua volta.
Lembremo-nos da história daquele peixinho que, no mar alto, pergunta à
mãe:
–
Oh, Mãe! O que é o Mar?
E
a Mãe, com aquela ternura e sensibilidade que só uma Mãe sabe mostrar no
relacionamento profundo com um filho, olha-o, sorri muito suavemente e
responde-lhe:
–
Olha, meu filho, tu estás no mar, tu bebes o Mar, tu respiras o mar, tu és o
Mar!...
A união com o Todo ou com o Amado, que
os místicos ibéricos como São João da Cruz ou Santa Teresa d’Ávila tão bem
souberam cantar nos seus poemas e nos seus escritos de religião, e por vezes
tão incompreendidos e até mesmo rejeitados e perseguidos pela dogmática e
repressiva superstrutura católica da sua época.
Trata-se, enfim, de alcançar o Tesouro que se
encontra oculto na gruta profunda do nosso coração ou no centro labiríntico do
nosso Ser, bem defendido pelo mítico Minotauro das lendas helénicas... Deixemos
Teseu e Ariadne dominarem o Minotauro do Labirinto e, com o auxílio do novelo
de fio de luz, saírem vitoriosos para a Luz Solar...
Da luz para a Luz!
Igualmente e também desde tempos imemoriais que os Antigos Mistérios,
detentores da Sageza das Idades, têm tido como outro objectivo essencial na sua
Demanda, a cabal compreensão da Verdade. Contudo, esta parece ser inatingível,
para o homem comum, o qual, para ultrapassar a frustração de incapacidade que
lhe (a)parece inata, vem transformando e espartilhando o que julga entender por
Verdade em miríades de dogmas, de leis, de convenções, de teorias, que o ajudam a dominar a Realidade e a Vida... segundo os seus próprios juízos e
critérios.
Sempre o homem comum olha para o exterior de
si próprio quando quer compreender qualquer mistério
vital, sempre ele tem julgado que aquela Verdade intransponível e inacessível
se encontra encerrada algures, em algum país longínquo, em algum livro dito
sagrado, em qualquer local ou pessoa investida de autoridade. Porém, e fazendo
jus ao aforismo antigo que reza: «Não me
procuraríeis se não me tivésseis encontrado já...», resta-nos a possibilidade de (re)encontrar algo, e
esse algo estará encerrado no nosso próprio corpo, nos nossos genes, no nosso
Ser... ou oculto no nosso Coração...
Eu sou aquilo que sou!
O grande paradoxo que enfrentamos é o facto de termos de buscar uma
coisa, um facto, uma realidade, que reside em nós próprios… E termos de
descortinar um Caminho que por mais voltas labirínticas que dê voltará
sistematicamente para o interior de cada um de nós…
Percepcionar e compreender o Real talvez seja simplesmente olhar o
outro, os outros, e identificarmo-nos ontologicamente com eles… Eu sou tu e tu és eu nesta demanda da
palavra perdida que nos permitirá, se encontrada, a compreensão do Real em nós.
Deus criou o homem para o ouvir contar contos!
Há que
reencontrar novas metodologias, novas mentalidades, para não nos afundarmos
definitivamente nesta sociedade de consumo e de morte.
Sempre
me lembro de África, para muitos o berço matriz da espécie humana, quando penso
em alternativa. Sabe bem voltar à Mãe, à Raiz, à Fonte quando ameaças pairam
perigosamente no ar à nossa volta…
Diz-nos
NicolásBuenaventura Vidal após uma viagem ao País dos Griots:
“Houve
um tempo em que não havia nada, só o vazio, um vazio insensível e cego. O
vazio, insensível e cego, gostava de pensar de vez em quando, sé de vez em
quando e, de cada vez que pensava, os pensamentos ficavam suspensos, flutuando
no vazio; e os pensamentos foram-se somando e no vazio encontraram-se e
puseram-se a brincar. A brincar, a brincar, foram criando novos pensamentos. No
vazio começaram a nascer como turupes, isto é, como bossas, e
essas bossas rebentaram e formaram palavras, porque o vazio era insensível e
cego, mas não mudo. As palavras rapidamente se ergueram e começaram a
diferenciar-se. Umas tornaram-se em árvores, trepadeiras, arbustos e
florzinhas. Outras transformaram-se em água, e aconteceu que algumas se puseram
a nadar e se tornaram peixes e as que se sentaram a descansar converteram-se
então em pedras. As palavras a «pairar no ar» tornaram-se pássaros. Até que as
palavras, fartas de serem elas a dar nomes, decidiram querer ser nomeadas e
disseram Mulher e disseram Homem e as palavras Mulher e Homem caminharam até se
encontrarem, nomearam-se e amaram-se. Eles deram nomes às palavras. Apareceu a
palavra Casa e a mulher e o homem habitaram-na; disseram Mesa e tiveram onde se
sentar para comer. Com a palavra Palavra apareceu a primeira ferramenta e,
sentados em redor da palavra Fogo, a mulher e o homem contaram um ao outro, as
primeiras histórias.” (Ver Nota 5)
Consideremos
então a enorme importância da Palavra para a compreensão da realidade da
UNIDADE DA VIDA que tem sido transmitida pelas inúmeras gerações através dos
Mistérios e considerada por muitos como fio condutor que liga initerruptamente
a Antiguidade à Contemporaneidade.
As
palavras constituem, de facto, a matéria prima essencial da condição humana. É
extremamente importante consciencializarmos o seu significado mais profundo,
mais essencial e mais genésico, a fim de reencontramos a Palavra Perdida cuja re-utilização consciente nos dará acesso ao
Reino dos Deuses…
E tantas
palavras importantes, tantas palavras-força, que temos à nossa disposição para
trabalharmos e re-construirmos, como por exemplo:
Culto
| Sagrado | Natureza | Pedra | Terra | Água | Ar | Fogo | Ether | Sol | Lua |
Árvore | Erva | Fonte | Rio | Montanha |
Gruta | Luz | Trevas | Noite | Dia | Ritmos | Ritos| Tempo | Lugar | Templo |
Tradição | Religião | Ritual | Romaria | Peregrinação | Demanda | Cura | Viagem
| Morte | Vida | Símbolo | Sonho | Oráculo | Animal | Mão | Homem | Mulher |
TellusMater | Mito | Mistérios | Arquétipos | Unidade | Oferta | Sacrifício | Compromisso
| Partilha | Solidariedade | Dádiva | Compaixão | …
Compreendamos
as palavras, desocultemos os seus símbolos e significados mais profundos para
melhor as podermos pronunciar e utilizar na transformação e compreensão de nós
próprios e do mundo do qual fazemos parte.
É
importante a partilha, tal como nos transmite uma quadra conhecida do
Cancioneiro Alentejano.
A propósito do Cante Alentejano e da Sabedoria das Idades – uma praxi se um exemplo a reflectir
Não me
inveja de quem tem
carros, parelhas e montes
só me enleva quem bebe
água em todas as fontes.
carros, parelhas e montes
só me enleva quem bebe
água em todas as fontes.
O cante alentejano, através do seu
cancioneiro tradicional e popular, contém em si, adivinhamo-lo, vestígios de
uma muito antiga sageza, sem idade…
Uma sabedoria oculta, subterrânea, ancestral, que nos diz que todos os homens
são irmãos, que todos detêm um saber que está para além da propriedade material
das coisas, dos objectos. Como consequência directa, todos poderão partilhar e
simultaneamente usufruir as riquezas espirituais comuns, colocando-se cada qual
disponível para ouvir o outro e partilhar com ele.
O alentejano ao ouvir as modas do cante está
simultaneamente a escutar o outro e a aprender com ele; e quando canta está a
partilhar, está a ensinar.
Através do cante,
o alentejano está a ser ele próprio e está a interpretar aquela voz que lhe
chega das entranhas da cultura milenar da terra-mãe, terra onde vive e onde
trabalha e onde canta, onde vive e onde morre. Deste modo o cante apresenta-se-nos como um fiel
retracto psicológico da identidade tradicional dos alentejanos.
Nos dias que correm é cada vez mais necessário que cada um
de nós queira e consiga “beber água em
todas as fontes” para que as diferenças de cada um possam ser compreendidas
e aceites por todos e por cada um. Para que tudo aquilo que diferencia os
homens uns dos outros seja um factor de aproximação entre eles e não um factor
de desavença e de desentendimento; seja uma razão para procurarmos e vivermos a
complementaridade.
Hoje é cada vez mais necessário investirmos culturalmente
em mais comunicação, mais diálogo e mais partilha. A palavra e a música
constituem ferramentas fundamentais para a construção e preservação de memória
e de identidade, neste caso da nossa memória e da nossa identidade enquanto alentejanos.
Como atrás se disse, o ser humano é uno e indivisível tal
como a própria Vida. Por factores desconhecidos e inexplicáveis, umas vezes é
alentejano ou beirão; outras é cristão ou muçulmano; outras ainda é judeu ou
hindu; poderá nascer preto ou branco, homem ou mulher… Contudo, no fundo, a
essência vital que anima os corpos dos seres humanos é a mesma e eles estarão
“condenados” a entenderem-se e a interagirem como irmãos se quiserem que a
Civilização e a Cultura continuem e evoluam equilibradamente ao som da Música
das Estrelas que nos envolve e que nos inspira a brotarmos para fora das nossas
almas de alentejanos e de cidadãos do mundo aquele grito, aquele cante, que
tanto nos diz e que tanto nos encanta…
Vida, morte, colheita, terra, trabalho, pão, cultura,
vinho, alimento, partilha, campo, amor… História, Identidade, Património da
Humanidade... Tudo isto é Cante tudo isto é Alentejo!...
A Natureza Humana e o livre arbítrio – que
desafios?
Entrámos e instalámo-nos no Século XXI da Era Cristã,
num mundo paradoxalmente marcado pela barbárie e pela selvajaria humanas, diria
antes sub-humanas, e onde estas tristes mas factuais realidades são moda, basta
olhar a televisão, a net, os jornais…
Nos dias de hoje, mais do que nunca, temos de olhar e
repensar a essência da natureza humana. Esta encontra-se a ceder aos mais
baixos instintos de animalidade, onde a emoção e o mental inferior se
desenvolvem perigosamente, pondo em causa uma evolução harmónica, equilibrada e
espiritual. A grande tentação das hegemonias e dos imperialismos,
olhados,pessoal ou colectivamente, quaisquer que sejam as suas colorações –
religiosas, económicas, culturais, civilizacionais –, conduzem a Humanidade a
cometer autênticos genocídios e inclusivamente deteriorando irreversivelmente a
própria vida natural do planeta.
Choques de culturas, choque de civilizações, choque de
religiões, aliados à intolerância, ao despotismo e à prepotência, que
caracterizam e normalizam a acção humana, são o apanágio do homem contemporâneo
onde quer que ele se encontre.
A pegada
ecológica humana marca negativamente o solo fértil de Gaia.
O planeta está a sofrer uma imensa e arriscada
provação. Falando metaforicamente, um Dragão Negro está a possuir e a dominar
as mentes, as consciências e, o que é mais grave, o coração dos homens,
transformando os valores de uma cidadania partilhada em práticas de predação,
de horror e de insensibilidade.
Nunca as palavras Fraternidade, Religião e Amor, estiveram
tão vazias de sentidos e de sentir. O primado do ter sobrepõe-se irremediável e
perigosamente ao primado do Ser.
Lágrimas, terror, sofrimento chegam constantemente aos
nossos sentidos através dos mass-media.
Possuímos a infeliz capacidade
tecnológica de presenciar a(s) guerra(s) em directo. A enorme quantidade de
informação manipulada, distorcida e censurada, entorpece-nos o sentir. Olhamos,
vemos, ouvimos, tomamos partido, mas falta responder à grande questão: como
actuar? Como agir, enquanto indivíduos racionais e conscientes, perante este
caótico estado de coisas? Perante estas “normalizadas” atrocidades de lesa
humanidade, destituídas de qualquer ética?
Imaginemos, através de uma imaginação criadora, que
contemplamos a Terra dos altos céus: de imediato sentimos na nossa carne a
agonia dos seres vivos! A Terra encontra-se coberta de feridas, cheia de
cicatrizes, sangrentas, latejantes... causa de sofrimentos desmedidos...
E que alternativas estão ao nosso alcance para
alterarmos positivamente este estado de coisas?
Por certo que igualmente se recordarão das tão simples
e tão belas palavras de Jesus inscritas no Evangelho segundo São João (XV-12) – “Eis o meu mandamento: Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei.” Fazer
a guerra à Humanidade é fazer a guerra a Cristo, é recusar, repudiar e
espezinhar a Sua palavra, o Seu exemplo, a Sua memória.
Lembremo-nos da grande verdade de que, não importa
quão vasta a escuridão, quão vasta a noite, contudo uma pequena chama de vela
detém essa grande escuridão. Na sua insignificância é invencível porque é Luz.
Que cada um de nós mantenha acesa a sua pequena chama.
Cada qual, por si, pode tão só significar uma fraca luz, contudo a natureza de
todas as chamas é a mesma, é Una. E todas juntas, na sua Unidade Essencial, firmemente
dirigidas e erigidas aos céus ensombrados pelas densas nuvens negras do ódio e
da ignorância, poderão, a pouco e pouco, afastar as trevas e fazer surgir mais
uma vez e sempre a Grande Chama Universal, corporalizada pelo Sol a que os
antigos denominavam por Cristo Solar ou Logos Solar...
Mais Fraternidade, mais Compaixão e mais Amor são
precisos para que essa Chama Universal se manifeste e realmente se torne uma
Realidade viva e verdadeiramente transformante e transformadora nos corações e
nas consciências da Humanidade que é Una!
Temos dentro de nós próprios, enquanto seres humanos,
a possibilidade de sintetizarmos, de compreendermos e de reproduzirmos o Kaose ou o Cosmos.
O Holismo –
uma nova forma de Religião
A partir de meados do século XX, uma nova abordagem
metodológica foi surgindo e começou a ser seriamente encarada pelos
investigadores dos nossos dias – a perspectiva Holística.
Um modo de pensar abarcante, total e unitário, que
olha as várias disciplinas do conhecimento do homem e da Natureza sempre em
relação umas com as outras, não compartimentalizando e não separando, mas
integrando o conhecimento, como um todo.
Este método revolucionário, sendo relativamente
recente, não é novo pois que, o conceito holismo/holístico
que, por um lado significa total e
por outro sagrado, contrapõe-se
àquela maneira de ser que fragmenta a realidade e que toma a parte pelo todo,
que prefere a análise (separatividade) em detrimento da síntese (unidade).
Por outro lado, a perspectiva holística, para o homem,
é, afinal, o acordar da totalidade dele próprio e do seu enquadramento vital
criativo, no qual ele poderá desenvolver ou despertar a sua essência
espiritual. Consequentemente, a consciencialização desta Unidade, em si próprio,
confere ao homem uma imensa responsabilidade perante a Natureza, suas Leis e
Evolução.
Esta nova
descoberta poderá consequentemente provocar transformações radicais na ordem
estabelecida anteriormente, podendo surgir então uma nova Cultura, uma nova
Ciência e uma nova Religião. E porque não uma Nova Civilização?...
A aproximação holística apresenta-se como um fio
condutor que poderá unir as várias ciências e filosofias num novo movimento com
uma nova e consequente dinâmica de intervenção ao nível dos conceitos e das
práticas de concepção do mundo.
Como consequência, a política, a economia e a
tecnologia poderão igualmente mudar de carácter, assim como poderá mudar
igualmente a relação de dependência Norte/Sul, do Ocidente em relação ao
Terceiro Mundo e em última análise, as relações que os homens estabeleceram
entre si e o Universo.
Holismo, é portanto, um neologismo que se poderá
identificar com uma perspectiva globalizante da Vida numa visão macroscópica,
sistémica e ecológica. Deveria constituir a raiz de uma nova Educação, de uma
nova Ética para que possa surgir um Homem Novo.
Como conclusão:
As palavras muito antigas
São como as sementes
Que são semeadas antes das chuvas
Depois, a terra é ressequida pelo sol
A chuva vem molhá-la
A água da terra penetra nas sementes
As sementes transformam-se em plantas
Então, desenvolvem as espigas de milho
Assim tu, a quem acabo de dizer as Palavras
Muito Antigas,
Tu és a terra
Eu planto em ti a semente da palavra,
Mas é preciso que a água da tua vida penetre
na semente
Para que a germinação da palavra tenha lugar.
Ensinamento
de um griotMandinka
ANEXOS
H. P. BLAVATSKY E A TEOSOFIA
I
A LEI FUNDAMENTAL
A unidade radical da essência
última de cada parte constitutiva dos elementos compostos da Natureza, desde s
estrela ao átomo mineral, desde o mais elevado DhyānChoan ao mais humilde dos infusórios, na completa
acepção da palavra, quer se aplique ao mundo espiritual, intelectual ou físico
– esta é a lei una fundamental na Ciência Oculta.(ver Nota 6)
NOTA
da Sr.ª Ianthe H. Hoskins:
“A filosofia esotérica enfatiza que existe
uma Realidade única por trás do variado mundo de nossas experiências, a fonte e
a causa de tudo o que foi, é e será. O grande divulgador da tradição Védica, Sri Śankarāchārya, afirma-o com bastante
simplicidade: não importa a forma dada à argila modelada, a realidade do
objecto permanece sempre sendo a argila, o seu nome e a sua forma não são mais
do que aparências transitórias. Do mesmo modo, todas as coisas, tendo-se
originado do Uno Supremo, são em si mesmas esse Supremo na sua natureza
essencial. Desde o mais elevado até ao mais inferior, do mais vasto ao mais
diminuto, os infinitos fenómenos do universo são o Uno, revestido por um nome e
por uma forma.
Este ensinamento da
Unidade fundamental é o ponto principal do sistema teosófico. Conclui-se, assim,
que nenhuma doutrina baseada numa dualidade última – do espírito e da matéria
separados eternamente, de Deus e do homem como essencialmente distintos, do bem
e do mal como realidades eternas, – pode ter lugar na Teosofia.”(ver Nota 7)
II
QUATRO IDEIAS
BÁSICAS(ver
Nota 8)
“(…).
Não importa
o que se estude na Doutrina Secreta, a mente deve manter com firmeza as
seguintes ideias como base de sua idealização:
(a) A
UNIDADE FUNDAMENTAL DE TODA A EXISTÊNCIA. Esta unidade é algo completamente
diferente da noção comum de unidade - como quando dizemos que uma nação ou um
exército está unido, ou que este planeta está unido a outro por linhas de força
magnética, ou algo semelhante. O ensinamento não é esse, e sim o de que a
existência é UMA COISA, não uma colecção de coisas colocadas juntas.
Fundamentalmente existe UM Ser, que possui dois aspectos: positivo e negativo.
O positivo é o Espírito, ou CONSCIÊNCIA; o negativo é a SUBSTÂNCIA, o sujeito
da consciência. Esse Ser é o Absoluto em sua manifestação primária. Sendo
absoluto, nada existe fora dele. É o SER TOTAL. É indivisível, pois de outro
modo não seria absoluto. Se fosse possível separar-lhe uma parte, o restante
não poderia ser absoluto, pois surgiria imediatamente a questão da COMPARAÇÃO
entre ele e a parte separada, e a Comparação é incompatível com a ideia de
absoluto. Consequentemente, é evidente que essa EXISTÊNCIA ÚNICA, ou Ser
Absoluto deve ser a Realidade existente em cada forma que existe.
O Átomo, o
Homem, o Deus são, separadamente ou em conjunto, o Ser Absoluto em última
análise; e isto é a sua INDIVIDUALIDADE REAL. Este é o conceito que se deve
manter sempre no fundo da mente para servir de base para toda concepção que
surgir do estudo da Doutrina Secreta. No momento em que esquecemos isso (o que
é fácil acontecer quando estamos envolvidos com um dos muitos aspectos
intrincados da Filosofia Esotérica) sobrevém a ideia da SEPARAÇÃO e o estudo
perde seu valor.
(b) A
segunda ideia a manter com firmeza é a de que NÃO EXISTE MATÉRIA MORTA. O mais
ínfimo átomo está vivo. E não poderia ser de outra forma, pois cada átomo é
fundamentalmente por si mesmo o Ser Absoluto. (…). O verdadeiro conceito é o de
que cada átomo de substância, não importa de que plano, é ele mesmo uma VIDA.
(c) A
terceira ideia a manter é a de que o Homem é o MICROCOSMO. Assim sendo, todas
as Hierarquias dos Céus existem nele. Mas em verdade não existe nem Macrocosmo
nem Microcosmo, mas UMA EXISTÊNCIA. O grande e o pequeno só existem como tais
quando vistos por uma consciência limitada.
(d) A quarta
e última ideia é aquela expressa no Grande Axioma Hermético que, na verdade,
resume e sintetiza todas as outras:
Como o
Interno assim é o Externo; como o Grande, assim é o Pequeno; como é acima,
assim é abaixo; só existe UMA VIDA E UMA LEI e o que atua é o ÚNICO. Nada é
Interno, nada é Externo; nada é GRANDE, nada é Pequeno; nada é Alto, nada é
Baixo na Economia Divina.
(…)”.
*
* *
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
- Hermes
Trimegistos – CORPUS HERMETICUM E DISCURSO DE INICIAÇÃO (A Tábua de Esmeralda),
Hemus-Livraria Editora, L.da, São Paulo, Brasil, 1978 (pág.
127).
- Helena
Blavatsky – A VOZ DO SILÊNCIO, Col. Sete Estrelo, n.º 6, Ed. Assírio
& Alvim, Lisboa, 1998 (tradução e notas de Fernando Pessoa¸ pág. 96).
- Fernando Pessoa – POESIAS INÉDITAS (1930-1935),
Lisboa, Ed. Ática, 1955 (págs. 98-99 ).
- Mabel
Collins – LUZ SOBRE O CAMINHO, Col. Sete Estrelo, n.º 10, Ed.
Assírio & Alvim, Lisboa, 2002 (tradução de Fernando Pessoa¸ pág. 21).
- Nicolás
Buenaventura Vidal – PALAVRA DE CONTADOR, Colecção
“redes & enredos”, n.º 8, Ed.
Apenas Livros, L.da, Lisboa, 2007 (pág. 14).
- H. P. Blavatsky – A
DOUTRINA SECRETA, Vol. I - Cosmogénese,
Ed. Pensamento, São Paulo, s/d (pág. 267).
- Ianthe
Hoskins – FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA ESOTÉRICA – H.P BLAVATSKY,
Editora Teosófica, 2.ª edição, Brasília, 1993 (págs. 18-19).
- Ianthe
Hoskins – FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA ESOTÉRICA – H.P BLAVATSKY,
Editora Teosófica, 2.ª edição, Brasília, 1993 (págs. 23-25).
Rui Arimateia
rui.arimateia@gmail.com
Centro de Recursos da Tradição Oral e do
Património Imaterial do Concelho de Évora
Alandroal, 19 de Julho de 2015
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