A I Conferência Internacional da Tradição Oral tinha sido realizada em Ourense em Novembro de 2010, de que resultaram três dias de apresentação de propostas e discussão técnica e científica da problemática das Oralidades. Tivemos naquela altura a participação de dezenas de Técnicos e de especialistas não só das cidades parceiras mas também e principalmente da Região da Galiza e de Portugal. Dois volumes de Actas foram editados e distribuídos., além das mesmas terem sido publicadas igualmente no site do Projecto – www.oralities.eu.
Preparou-se entretanto a II Conferência Internacional que foi marcada para Évora durante os dias 8, 9 e 10 de Novembro de 2012. As espectativas eram muitas e as inscrições não se fizeram esperar. O resultado está à vista – realização de 7 Conferências Plenárias e cerca de 40 comunicações presenciais, de grande qualidade técnica e científica, distribuídas por seis Painéis, prenderam-nos a atenção durante três dias das 9:30 da manhã até cerca das 18:00, todos os dias. É obra!
Foi um diálogo construtivo entre os parceiros do Projecto e entre as dezenas de investigadores presentes e que irá enriquecer a consolidação do Centro de Recursos do projecto Oralidades, proposto desde o início da construção do Projecto com o objectivo de trabalharmos em continuidade temporal e espacial esta área de intervenção sociocultural. Isto é, será o Centro de Recursos da Tradição Oral a vingar após o término oficial do Projecto Oralidades no próximo mês de Maio de 2013.
Os materiais e a massa crítica resultantes das duas Conferências Internacionais serão o suporte para que este Centro de Recursos possa ter a sua continuidade não só em Évora mas igualmente nas cidades dos diferentes parceiros se para isso disponibilizarem localmente alguns recursos logísticos e financeiros.
O papel das Autarquias na prossecução do projecto Oralidades foi o de enquadrar os artistas e os técnicos para partilharem experiências com os seus parceiros. Após o término do Projecto e não havendo nas actuais conjunturas, nacional e europeia, condições para a construção de uma proposta de continuidade, poderemos no entanto, cada parceiros e em cada uma das cidades, continuar a trabalhar e a desenvolver pequenos projectos nestas áreas tão aliciantes que são as do Património Cultural Imaterial / Tradição Oral / Oralidades.
Muitas riquezas imateriais estão ainda por recordar, recolher e sistematizar junto dos residentes mais idosos, junto das Bibliotecas e dos Arquivos, junto das Associações muitas vezes centenárias e que enquadram projectos que pelas suas características poderão vir a associar-se numa recolha e estudo comuns e enriquecer um Centro de Recursos regional que contínua e dinamicamente se encontrará em construção. Não esquecendo evidentemente o papel importantíssimo das Universidades e dos seus Centros de Investigação nas áreas das Ciências Sociais e Humanas (Antropologia, Sociologia, História e Literatura) que são fundamentais para darem o seu imprescindível contributo e enquadramento científicos.
Para o aprofundamento de práticas e técnicas auxiliámo-nos de ferramentas que nos foram indicadas e facultadas pela UNESCO, nomeadamente através do texto da Convenção para a salvaguarda do património cultural imaterial, publicada em Paris a 17 de Outubro de 2003.
Refere o texto desta Convenção que o Património Cultural Imaterial é constituído pelas “práticas, representações e expressões, as consonâncias e o saber-fazer que as comunidades e os grupos e, em certos casos, os indivíduos, reconhecem como parte integrante do seu património cultural.”
·
as
tradições e expressões orais, aqui
incluindo a língua enquanto veículo para o património cultural imaterial;
·
as artes
do espectáculo;
·
as
práticas sociais, rituais e eventos festivos;
·
os
conhecimentos e as práticas que concernem a natureza e o universo;
·
o
saber-fazer ligado ao artesanato tradicional.
Transmitido de geração em geração, o
património cultural imaterial, é recriado de modo permanente pelas comunidades
e pelos grupos em função do meio no qual vivem, as relações que estabelecem com
a natureza e da sua história.
O património cultural imaterial confere às
populações e aos grupos um sentimento de identidade e de continuidade; a
salvaguarda deste património promove, nutre e favoriza o desenvolvimento da
diversidade cultural e da criatividade.”
Ora, os objectivos do Projecto Oralidades inseriram-se dentro dos pressupostos desta Convenção da Unesco, conforme passamos a referir:
·
valorização da Cultura Tradicional num quadro de
inovação;
·
promoção da cooperação cultural entre
territórios, comunidades e agentes culturais e artísticos;
·
intervenção sociocultural, tendo como base a
promoção do diálogo entre culturas.
Por sua vez, estes objectivos culturais que promovemos e desenvolvemos durante a duração do Projecto ORALITIES foram e são ambiciosos, desafiando a nossa criatividade.
Mais se refere que a intervenção sociocultural que acima referimos propôs-se agir sobre a realidade específica de cada uma das cidades parceiras tendo como base três conceitos operativos fundamentais: Memória, Identidade e Partilha.
Só a partir daqui compreenderemos de facto o que queremos com a criação de um Centro de Recursos da Tradição Oral, objectivo estruturante do próprio Projecto.
Temos consciência de que o projecto ORALIDADES é, de facto, um projecto complexo. Sendo um Projecto que privilegia a utilização da palavra, a primeira barreira que tivemos foi a da diferenciação das línguas dos parceiros – português, galego, italiano, maltês e búlgaro. Daí que a língua comum escolhida tenha sido a língua inglesa o que de certa maneira condicionou o verdadeiro e profundo entendimento das especificidades culturais de cada região cultural envolvida.
Ao longo dos quatro anos de duração do Projecto Oralidades houve visitas e contactos de parte a parte e o diálogo começou, no prosseguimento do projecto, a surgir mais fluentemente, independentemente do condicionalismo sempre presente das línguas. Contudo, neste quarto ano de duração do Projecto sentimos uma aproximação e um carinho cada vez maior entre todos.
E será este conhecimento / reconhecimento dos parceiros que nos permitirá uma construção equilibrada de um Centro de Recursos simultaneamente comum e diverso.
Só agora, ao fim destes anos de trabalho conjunto é que começamos a conhecer e a chamar pelos seus nomes próprios a Mónica, a Svetlana, a Christine, o John, a Bárbara, o Paulo, a Maria, o Matteo, o Anxo, o Santiago e muitos outros novos amigos e amigas que connosco partilharam o espaço e o tempo europeu do ORALIDADES.
Só agora começamos a saber da riqueza cultural e etnológica de Malta, a especificidade da língua maltesa, pois estivemos lá a ouvi-la ao vivo e a interagir com o povo de Malta. Sabemos que os investigadores de Malta se têm preocupado com a evolução e o desenvolvimento cultural da sua língua materna; sabemos que existem outros investigadores que têm trabalhado os contos tradicionais, as baladas, e as narrações folclóricas. Há que trazer para o Centro de Recursos comum toda essa riqueza, toda essa diferença cultural mas também todas as semelhanças que possamos encontrar entre as nossas culturas e as nossas línguas.
Sliven foi outra surpresa que a pouco e pouco fomos desvendando, nomeadamente através da total disponibilidade dos nossos parceiros no contacto pessoal, no resolver os problemas, etc. Com as visitas a Sliven ficámos a perceber da riqueza imensa e das potencialidades deste parceiro para a qualificação do próprio projecto. Apercebemo-nos dos interessantíssimos institutos culturais que possuem – National Museum of Têxtil Industry, “Stefan Kirov” Dramatic Theatre, State Puppet Theatre, The Historical Museum of Sliven, etc. Contactámos com a realidade das Carnival Mascarades (os Kukeri) tão semelhantes às nossas Brincas de Évora e aos nossos Caretos de Trás-os-Montes. Qual poderá ser a sua participação pragmática no projecto ORALIDADES? De que maneira estes saberes poderão ser partilhados por todos?
Estes são dois exemplos do porquê da importância destes projectos Europeus. O facto de técnicos, artistas, músicos e investigadores terem a possibilidade real de se visitar e a partilhar realidades culturais diversificadas (e não “diferentes”), fornecendo uma mais valia extraordinária para a construção de uma Identidade Europeia, esta sim constituída por uma miríade de aspectos que vão constituir um fundo comum onde cada um de nós encontrará um pequena mas importante e única contribuição para a constituição de um luminoso espectro europeu.
Poderia igualmente falar de Ourense e de Ravenna e de Mértola e de Idanha-a-Nova e da importância de conhecermos mais minuciosamente as suas particularidades culturais que com toda a certeza irão contribuir para a consolidação do desenvolvimento futuro do projecto.
A Tradição como Comunicação é no fundo o principal leit-motiv deste nosso projecto. Estamos a partilhar tradições ancestrais, mas estamos principalmente a comunicar, a pôr em comum, as nossas jóias e riquezas culturais que brilharão a duplicar de cada vez que forem partilhadas, que forem oferecidas, porque retornarão a nós com um brilho mais refulgente e muitas vezes mais límpido e mais rico do que aquele que um dia saiu desinteressadamente das nossas mãos para as mãos dos nossos parceiros de projecto.
O Centro de Recursos afinal assemelhar-se-á ao cadinho do alquimista onde os diferentes metais serão misturados a frio e aquecidos ao rubro a fim de que o Ouro possa surgir no final da Obra.
Em momentos de profunda crise económica e financeira com que Portugal e a generalidade dos países do Sul da Europa se debatem, – mas também crise de valores e de sentimentos construtivos tais como os da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, bases conceptuais da construção/invenção da Europa Moderna post Revolução Francesa – o papel destes projectos culturais é fundamental.
Projectos em comum de homens e de mulheres preocupados com a participação e com a assumpção da palavra, é cada vez mais importante. Um sentimento forte começa a nascer quando refletimos em conjunto nestas áreas das Ciências Humanas – o facto de sentirmos que o poder da palavra (do diálogo) cada vez mais terá de se impor perante a palavra do poder…
Não podemos
permitir, no fundo de nós próprios e na práxis dos nossos saberes e das nossas
intervenções, que regresse uma cultura do
silêncio, inquisitorial, ditatorial e castradora das nossas liberdades
enquanto seres humanos dotados de palavra, livre e libertadora. A Democracia, a
Liberdade de expressão, de pensamento e de participação cívica, sabemos nós, e
por experiência própria, que não têm lugar neste tipo de propostas políticas
retrógradas…
A palavra, se bem utilizada, compreendia e partilhada é verdadeiramente libertadora.
Não queria terminar sem deixar os sinceros e emotivos agradecimentos a todos quanto viabilizaram a realização desta II Conferência Internacional da Tradição Oral.
Em primeiro lugar à Senhora Vereadora do Pelouro e também conferencista, a Prof.ª Cláudia Sousa Pereira pelo seu empenho junto da Câmara para que o Projecto Oralidades organizasse sem grandes constrangimentos este evento.
Ao Professor José Rodrigues dos Santos, que desde a primeira hora assumiu a Direcção Científica do Projecto e estabeleceu as pontes necessárias e importantíssimas com a Universidade de Évora e o CIDEHUS/FCT. Incansável e disponível na sua participação em toda a complexidade de construção da Conferência.
Uma agradecimento a todo o Comité Científico que permitiu o reconhecimento perante os seus pares e a Academia do mérito do projecto.
Um reconhecimento às cidades parceiras pela sua participação activa através dos seus representantes nas Conferências.
Não poderia deixar de efectuar um reconhecimento sentido à Fundação Eugénio de Almeida através da sua interlocutora Dr.ª Ana Cristina Baptista e ao restante pessoal do staff técnico do Fórum, incansável e permanentemente disponível no acompanhamento nestes três dias de duração das Conferências: à Dr.ª Fátima Murteira e ao Técnico de Audiovisuais Hugo uma palavra sentida de agradecimento.
Queria também agradecer a todos os moderadores dos Painéis que permitiram o dinâmico desenvolver dos trabalhos, por vezes assumindo a doloroso papel de recordar o pouco tempo necessário para a total apresentação das ideias e dos saberes transmitidos nas comunicações.
Não queria deixar de agradecer ao António Roque pelo layout dos materiais impressos da Conferência, assim como das traduções a eles inerentes.
Aos incansáveis tradutores da Sintraweb – Informática e Serviços, L.da (Departamento de Tradução) que viabilizaram o entendimento entre todos os participantes.
Finalmente, mas não menos importante ao pessoal da Divisão de Assuntos Culturais, nomeadamente a colega Cidolina Amaro, espinha dorsal de toda a complexa logística da produção da Conferência; e às colegas Fátima Cabecinha, Margarida Branco e Rosa Paes pelo trabalho de acolhimento aos participantes nos três de dias de duração das Conferências.
Um último agradecimento à Agência Executiva Educação, Audiovisual e Cultura do Programa Europeu Cultura (2007-2013), sedeada em Bruxelas, que através do financiamento efectuado permitiu a existência e o funcionamento do projecto Oralities tal como foi concebido e implementado.
Até à próxima.
Évora, 10 de Novembro de 2012.
O Responsável Técnico
pelo projecto Oralidades
Rui Arimateia
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