sexta-feira, 11 de novembro de 2011

São Martinho na Catedral de Évora



NOTAS BREVES SOBRE O SÃO MARTINHO

São Martinho de Tours, nasceu em Panonia, na Hungria, e morreu como Bispo de Tours, em França, no ano de 397. São duas as principais fontes de informação da sua vida e milagres, a de Sulpicio Severo e a de São Gregório de Tours (este último seu sucessor na Diocese).

Afirma o povo que a festa de São Martinho dura três dias:

“São Martinho Bispo (na véspera, a 10), São Martinho Papa (no dia, a 11), São Martinho Rapa (no dia imediato, a 12).”

Os trabalhos agrícolas tradicionais desta época do Outono: a vindima, a pisa das uvas nos lagares ou esmagada nas prensas, de que resultam cantes próprios, comidas e bebidas, bailes, festas antigamente denominadas báquicas, também conhecidas como festas orgíacas das lagariças… Todo este entusiasmo culminava no Dia de São Martinho, a 11 de Novembro, na festa do vinho novo.
Sejam festas em honra de São Martinho, festas Bacanais ou Dionisíacas… no fundo, só o nome muda…contudo a essência da festa permanece inalterável: a celebração da Natureza e da vida agrícola.
Organizam-se os magustos, com a fogueira onde se assam as castanhas, em assadores de barro próprios, que acompanham o vinho novo.
As orgias aconteciam naturalmente: organizavam-se as Procissões dos Bêbados, com os seus chocalhos, com os seus mordomos, os seus juízes, os seus irmãos das confrarias e das irmandades… todas estas manifestações de cultura popular já vão pertencendo a uma memória cada mais longínqua…
Os costumes de hoje – quando os há – são pálidos reflexos das manifestações comunitárias de outrora… O vinho já vem engarrafado e a água-pé até chegou a ser proibida a sua venda! Assim, não há tradição que resista!

O mês de Novembro é conhecido também como o mês das Almas. Isto é, o mês em que se concentra uma maior atenção aos entes queridos já falecidos.

Nas Grécia e Roma Clássicas esta época era marcada por grandes festivais religiosos, ligados com as colheitas, as sementeiras, a morte…porque a semente para germinar terá que primeiramente apodrecer e morrer… Espantosa analogia que poderemos fazer com a nossa própria morte e simultaneamente encararmos a hipótese da continuidade da vida.
Teremos nós, nos finais do século XX, ainda algumas reminiscências dessas épocas longínquas e desses eventos já tão distantes?
E também nesta época se pedem os Santos, tal como, na sua época própria do calendário, se pedem as Janeiras, os Reis e as Maias, características de uma tradição rural que tinha que ver com práticas de partilha e de solidariedade…
Na tradição cristã, além do Dia de Finados e do Dia de Todos os Santos, acontecem os Mistérios ligados a Nossa Senhora, como preparação para o Dia de Natal, para o Nascimento de Jesus, mas também como preparação para as festas solsticiais do Inverno, que a hierarquia católica fez com o nascimento daquele que se transformaria no Cristo, Salvador da Humanidade pelo seu auto-sacrifício.
Auto sacrifício que São Martinho também protagonizou, segundo nos contam os seus biógrafos, através do encontro com o mendigo nu em pleno Inverno e a partilha sua capa, simbolicamente, a partilha da Sabedoria ou de segredo transcendente com o outro.

As Festas Litúrgicas de São Martinho (Hagiologia Cristã) são:

· a 4 de Julho, que comemorava a trasladação dos seus restos mortais e era denominada como “Translatio Corporis Sancti Martini”;
· a 11 de Agosto, que celebrava a sua consagração como Bispo e se chamava “Sacratio Sancti Martini”;
· a 11 de Novembro, que recordava a sua morte, “Obitum Sancti Martini”.

Popularmente a última festa é a mais celebrada pelo povo, coincidente, entre outras coisa pela matança anual do porco e pela inauguração do vinho novo, como rezam os ditados populares:

· “A cada bacorinho vem o seu São Martinho.”
· “A cada porco chega o seu São Martinho.”
· “A cada porco vem o seu São Martinho.”
· “Cada porco tem o seu São Martinho.”
· “Dia de São Martinho, prova o teu vinho.”
· “Em dia de São Martinho, atesta e abatoca o teu vinho.”
· “Em dia de São Martinho, faz magusto e prova o teu vinho.”
· “Em dia de São Martinho, lume, castanhas e vinho.”
· “Em dia de São Martinho, na adega prova o teu vinho.”
· “Em São Martinho mata o teu porco, assa castanhas e prova o teu vinho.”
· “Martinho bebe o vinho, e deixa a água para o moinho.”
· “No dia de São Martinho, mata o pobre o seu porquinho.”
· “No dia de São Martinho, mata o porquinho, abre o pipinho, põe-te mal com o teu vizinho.”
· “No dia de São Martinho, mata o teu porco, chega-te ao lume, assa castanhas e prova o teu vinho.”
· “No dia de São Martinho, mata o teu porco e bebe o teu vinho.”
· “O Sete-Estrelo pelo São Martinho, vai de bordo a bordinho, à meia-noite está a pino.”
· “O Verão de São Martinho, são três dias e um pouquechinho.”
· “Para cada porco há o seu São Martinho.”
· “Pelo São Martinho, encerta-se o pipinho.”
· “Pelo São Martinho, fura o teu pipinho.”
· “Pelo São Martinho, mata o teu porquinho e semeia o teu cebolinho.”
· “Pelo São Martinho, nem nado nem no cabacinho.”
· “Pelo São Martinho, prova o teu vinho; ao cabo de um ano, já te não faz dano.”
· “Por São Martinho, semeia fava e linho.”
· “Por São Martinho, nem favas nem vinho.”
· “Por São Martinho, todo o mosto é bom vinho.”
· “Quando o Inverno tem juízo e não erra seu caminho – não olheis ao calendário, tê-lo-eis no São Martinho.”
· “São Martinho bispo, vamos ao rabisco.”
· “Se o Inverno não erra caminho, tê-lo-ei pelo São Martinho.”
· “Se queres pasmar o teu vizinho, lavra, sacha e esterca pelo São Martinho.”

Rui Arimateia
11 de Novembro de 2011

terça-feira, 10 de maio de 2011

A Realidade que rodeia...



O QUE É O REAL?

Tentemos então equacionar vários enfoques sobre o REAL, privilegiando principalmente a perspectiva teosófica, baseada nos textos clássicos.

Assim poderemos dizer que o Real será tudo o que nos rodeia, independentemente de o percepcionarmos conscientemente ou não – chamemos-lhe Real, Realidade, Mundo, Vida, Natureza, Verdade…

Mas qual o Real que procuro? Haverá um só Real? Haverá tantas realidades quantos seres humanos possam existir ao cimo desta Terra? A Realidade está dentro ou fora de nós? Nós pertencemos a essa Realidade ou somos simples espectadores, a olhá-la?...

Contudo, tal como dizia Krishnamurti, “o mundo somos nós”, não o procuremos fora de nós por que estaremos a fugir à questão. Com o conceito “Real” penso que poderemos chegar à mesma conclusão – afinal, o Real somos nós!...

O que poderá diferenciar-nos uns dos outros será o modo mais ou menos profundo de conseguirmos compreender, cada um dentro da sua possibilidade, o que é o Real e agir de acordo com isso!

Para os teósofos, o Logos é a grande e única Realidade, o Macrocosmos. Pela Lei da Analogia Universal, o ser humano, enquanto microcosmos, segundo a tradição que nos foi legada ao longo de milénios pela Sageza Divina, encerra em si próprio uma centelha desse Logos Solar que sustenta a Vida, conhecida e desconhecida. Assim, todos nós possuímos, em nós próprios, uma parte infinitesimal, qualitativa, do Logos. Em termos de substância, e analogicamente, seremos uma vela enquanto que o Logos será o Sol. A qualidade e a essência da Luz é a mesma. A focalização da Essência, da Luz, é diversa. Cada ser humano terá dentro de si próprio como que uma lente que lhe permitirá a focagem da Realidade envolvente. Contudo todas as lentes são diferentes umas das outras, todas as lentes têm os seus pontos de focagem com distanciamentos diferentes. A própria matéria de que é feita essa lente é mais ou menos impura de ser para ser, daí que a Realidade que cada uma consegue percepcionar seja necessariamente diferente.

De facto, segundo a antiga Doutrina Secreta, toda a entidade individual, não obstante o seu grau evolucionário na ladeira da Vida, possui o seu “logos” individual… Cada ser humano possui o seu próprio “logos” espiritual…

Um dos significados de “logos” é “palavra”, daí a procura, desesperada por vezes, pelo homem da “palavra perdida”, isto é, do caminho de “regresso” às origens, à sua natureza divina…

De acordo com os ensinamentos Teosóficos, desde que o homem é homem, que busca a razão da sua existência e a razão da existência do próprio universo!

Esta busca teve várias denominações ao longo de milhares e milhares de anos de evolução humana. Contudo foi sempre causa da grande inquietação humana perante os Mistérios da Vida e da Morte.

Deixo-vos um pequeno texto de D. Mário Roso de Luna, numa obra escrita em 1921, “El Reino Encantado de Maya”, que referia:

“Em idades primitivas, ou "de Ouro" reinou soberana a Verdade até que a Mentira, conseguiu disfarçar-se de Verdade e enganar o mundo com sua Maya ou ilusão. A Verdade desnudada, desde então, foi rejeitada pelos homens, amantes das aparências da Mentira, mas a Verdade, por sua vez, disfarçou-se com o "Véu de Isis", transformando assim em mito ou fábula, e em Parábola os seus ensinamentos.

Havia um homem, no entanto – havia e há tantos em todas as idades! - que buscava decidido a Verdade no mundo, na corte, no claustro, não obstante lhe dissessem continuamente que "há muito tempo atrás ela esteve aqui, mas desapareceu e ninguém voltou a encontrá-la".

Os deuses, com inveja da grandeza do homem, tinham-na roubado, e escondido nada mais nada menos do que no próprio coração humano, porque se a tivessem escondido noutro lugar, montanha, abismo, nuvem ou deserto, o incansável anseio de progresso do homem a teria finalmente encontrado, enquanto que ao transportá-la dentro de seu peito sem o saber, onde infelizmente o homem nunca procuraria, seria impossível de a encontrar.

Ensinada a Humanidade pelo rebelde Prometeu, consegue finalmente encontrar através dessa terrível máquina de invenção e descoberta que tem sido denominada, desde então, por Filosofia, ou "Nosce te ipsum" socrático [isto é: "Ó Homem, conhece-te a ti mesmo! "].

Com a filosofia, de facto, percebemos que a "Verdade Absoluta ou Suprema", não está em qualquer percepção concreta, ou em qualquer ciência particular, chame-se o que se quiser, mas no augusto e abstracto mistério do Símbolo porque no Símbolo concordam, e tornam-se compatíveis as revelações parciais das diversas ciências uma vez que estas são apenas ramos de um grande tronco primitivo e oculto.

Porque nós, eternamente cegos, colocamos sempre entre a nossa visão e o mundo superior da Verdade um véu que tem sido chamado pelos poetas o "Véu de Maya" e pelos matemáticos modernos "o mistério geométrico do mundo das “n” dimensões do espaço”, desde o dia memorável em que se cortaram as comunicações entre este pobre mundo dos mortais e os “supermundos" de heróis, semideuses e deuses antigos.

(…).”

Olhemos para um sem número de paradigmas e metáforas, utilizados como palavras-chave desde há remotas eras até aos nossos dias por investigadores, místicos, antropólogos, filósofos… Algumas dessas palavras-chave que surgiram com mais acuidade e com maior profundidade de significado, foram as que passo a referir muito rapidamente:

Deus; Idade do Ouro; Verdade, Mentira e Imaginário; Mitos, Deuses e Heróis; Autoconhecimento, Totalidade e Caminho; Símbolo, Mistérios e Tradição; Sageza Imemorial e Demanda; Vida, Realidade e Evolução Natureza e Cultura; Holismo, Sagrado e Religião; Ser, Estar e Relação Humana; Consciência e Logos; Comunicação e Linguagem; Sentido de Vida e Ecologia...

Nos Antigos Mistérios da Humanidade, através de uma abordagem muito particular da alegoria e do símbolo, os desejos mais íntimos que a Humanidade tem expressado ao longo de toda a sua História e Evolução, têm sido: a conquista do Paraíso Perdido, ou do Jardim do Éden ou das Hespérides, ou de Agartha ou de Shambbalah, ou das Ilhas Encobertas ou do palácio do Rei Pescador, ou do Castelo do Graal, etc., consoante as diferentes culturas ou civilizações. Todavia, no fundo, trata-se de conseguir uma mutação qualitativa da consciência do homem com o fim de conseguir viver uma União com o Todo – tal qual a Parábola Bíblica do regresso a casa do Filho Pródigo –, pois o Homem sempre viveu integrado no Todo, contudo, paradoxalmente procura-O à sua volta.

Tal como o peixinho que, no mar alto, pergunta à mãe:

– Oh, Mãe! O que é o Mar?

E a Mãe, com aquela ternura e sensibilidade que só uma Mãe sabe mostrar no relacionamento profundo com um filho, olha-o, sorri muito suavemente e responde-lhe:

– Olha, meu filho, tu estás no mar, tu bebes o Mar, tu respiras o mar, tu és o Mar!...

União com o Todo ou com o Amado, que os místicos ibéricos como São João da Cruz ou Santa Teresa d’Ávila tão bem souberam cantar nos seus poemas e nos seus escritos de religião, e por vezes tão incompreendidos e até mesmo rejeitados e perseguidos pela dogmática superstrutura católica da sua época.

Trata-se, enfim, de alcançar o Tesouro que se encontra oculto na gruta profunda do nosso coração ou no centro labiríntico do nosso Ser, bem defendido pelo mítico Minotauro das lendas helénicas... Deixemos Teseu e Ariadne dominarem o Minotauro do Labirinto e, com o auxílio do novelo de fio, saírem vitoriosos para a Luz do dia...

Desde tempos imemoriais que os Antigos Mistérios, detentores da Sageza das Idades, têm tido como fim último da sua Demanda, a cabal compreensão da Verdade. Contudo, esta parece ser inatingível, para o homem comum, o qual, para ultrapassar a frustração de incapacidade que lhe (a)parece inata, vem transformando e espartilhando o que julga entender por Verdade em miríades de dogmas, de leis, de convenções, de teorias, que o ajudam a dominar a Realidade e a Vida... segundo os seus próprios juízos e critérios.

Sempre o homem comum olha para o exterior de si próprio quando quer compreender qualquer mistério vital, sempre ele tem julgado que aquela Verdade intransponível e inacessível se encontra encerrada algures, em algum país longínquo, em algum livro dito sagrado, em qualquer local ou pessoa investida de autoridade. Porém, e fazendo jus ao aforismo antigo que reza: «Não me procuraríeis se não me tivésseis encontrado já...», resta-nos a possibilidade de (re)encontrar algo, e esse algo estará encerrado no nosso próprio corpo, nos nossos genes, no nosso Ser... ou, como disse D. Mário Roso de Luna, oculto no nosso Coração...

O grande paradoxo que enfrentamos é o facto de termos de buscar uma coisa, um facto, uma realidade, que reside em nós próprios… E termos de descortinar um Caminho que por mais voltas labirínticas que dê voltará sistematicamente para o interior de cada um de nós…

Percepcionar e compreender o Real se calhar é simplesmente olhar o outro, os outros, e identificarmo-nos ontologicamente com eles… Eu sou tu e tu és eu nesta demanda da palavra perdida que nos permitirá, se encontrada, a compreensão do Real em nós.

Os grandes textos místicos teosóficos apontam-nos o Caminho a seguir. Por exemplo, em “Aos Pés do Mestre” Alcyone insiste em quatro qualificações necessárias para entrar no Caminho: o Discernimento; a Indesirabilidade; a Boa Conduta; e o Amor.

Teremos disponibilidade e força anímica para tal?

Por sua vez, o texto de “A Voz do Silêncio” de H. P. Blavatsky lembra-nos o seguinte:

“Antes que a mente da tua Alma possa compreender, deve a flor da personalidade ser esmagada em botão, e o verme dos sentidos destruído até não poder ressurgir.

Não podes caminhar no Caminho enquanto não te tornares, tu próprio, esse Caminho.

Que a tua Alma dê ouvidos a todo o grito de dor como a flor de lótus abre o seu seio para beber o sol matutino.

Que o Sol feroz não seque uma única lágrima de dor antes que a tenhas limpado dos olhos de quem sofre.

Que cada lágrima humana escaldante caia no teu coração e aí permaneça; nem nunca a tires enquanto durar a dor que a produziu.

Estas lágrimas, ó tu de coração tão compassivo, são os rios que irrigam os campos da caridade imortal…

Porque, ó Discípulo! Antes que estivesses apto a encontrar o teu professor frente a frente, o teu MESTRE luz a luz, que foi que te disseram?

Antes que te possas acercar da primeira porta tens de aprender a separar o teu corpo do teu espírito, a dissipar a sombra e a viver no eterno. Para isto, tens de viver e respirar em tudo, como tudo o que percebes respira em ti; sentir-te existir em todas as coisas, e todas as coisas em TI.

Não deixarás os teus sentidos fazer do teu espírito campo para o seu recreio.

Não separarás o teu ser do SER, e do resto, mas fundirás o Oceano na gota de água, e a gota de água no Oceano.

Assim estarás em acordo com tudo quanto vive, ama os homens como se eles fossem os teus condiscípulos, discípulos do mesmo Professor, filhos da mesma boa mãe.

…/…

Puseste o teu coração e a tua mente de acordo com a grande mente e o grande coração de toda a humanidade? Porque, como a voz sonora do sagrado Rio, na qual todos os sons têm o seu eco, assim deve o coração daquele que queira entrar para o rio, vibrar em resposta a cada suspiro e a cada pensamento de tudo quanto vive e respira.”.

Finalmente, Mabel Collins, em “A Luz do Caminho” diz-nos que:

“Antes que os olhos possam ver, devem ser incapazes de lágrimas. Antes que o ouvido possa ouvir, deve ter perdido a sensibilidade. Antes que a voz possa falar em presença dos Mestres, deve ter perdido a possibilidade de ferir. Antes que a alma possa erguer-se na presença dos Mestres, é necessário que seus pés tenham sido lavados no sangue do coração.”

No fundo, o grande método para olharmos o Real de frente, será através da recusa e da renúncia do primado da personalidade, de maya, como diria Mário Roso de Luna, do egocentrismo, do ilusório conflito de interesses entre o tu e o eu, entre os nós e os outros, entre o meu e o teu, finalmente, entre o Ter e o Ser…

A Realidade que agora julgamos conhecer, o Real, é UNA e INDIVISÍVEL, tal como o nosso Planeta é igualmente UNO e INDIVISÍVEL, com a sua atmosfera, o seu manto vegetal, com os seus mares e cadeias de montanhas, com a sua flora e fauna riquíssimas, num equilíbrio tal, e dentro de uma “harmonia das esferas”, que ao mínimo acidente cósmico a mutação do que é conhecido acontecerá e outras Realidades acontecerão para outros Seres daqui a eons de distância…

Paz a todos os Seres!

Rui Arimateia
Ramo Boa-Vontade da Sociedade Teosófica de Portugal
Évora 10 de Maio de 2011









domingo, 26 de dezembro de 2010

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O Mestre, o Amigo António Telmo


António Telmo usando da Palavra...

ADEUS ANTÓNIO TELMO! ATÉ BREVE!...

Partiu sábado passado, dia 21 de Agosto do ano de 2010, um Mestre um Irmão, um Ser verdadeiramente luminoso e inspirador. Soube-o somente há pouco. Até breve porque breve é este instante efémero de vida terrena e material. Até sempre porque nunca verdadeiramente nos separaremos do Mestre… Dói fundo a ausência física mas permanece a Presença vigorosa, ladina e inspiradora de António Telmo.
Deixo aqui um texto que há uns anos li na apresentação do livro “Contos” publicado pela Editora Aríon, do também recentemente desaparecido do nosso convívio físico, José Manuel Capelo. Foi o texto posteriomente publicado em livro de homenagem dos 80 anos de António Telmo, o que muito honrou.

ANTÓNIO TELMO CARVALHO VITORINO nasceu em Almeida, Distrito da Guarda nos idos anos de 1927, a 2 de Maio, chegou com as Maias, poder-se-á dizer.
Andarilho por meio mundo privou com grandes da Cultura, da Filosofia, do Pensamento Português. Desde Agostinho da Silva a Eudoro de Sousa, de Álvaro Ribeiro a José Marinho, entre muitos outros que com ele privaram e com eles António Telmo ajudou a re-construir a Pátria da Língua Portuguesa, parafraseando o poeta Fernando Pessoa.
Refere José Marinho na sua obra "Verdade Condição e Destino no Pensamento Português Contemporâneo"(1):

Nos pensadores que contamos entre os responsáveis no próximo futuro pelo destino da filosofia entre nós, quatro se nos impõem: Alberto Ferreira, António Telmo, Eduardo Lourenço e Orlando Vitorino. Em todos eles despertou o sentido d'«o que mais importa», pois nos aparecem intimamente atentos com diversa explicitação ao imperativo dizer de Plotino.

É realmente este sentido d'«o que mais importa» que vemos continuamente a ser alvo das preocupações literárias – e a Literatura é aqui usada enquanto veículo de transmissão de mensagens – de António Telmo. E é interessante o facto dele próprio se considerar um esoterista. E encaremos este termo sem cairmos em pré-conceitos, e se lhe dermos a dimensão de Schwaller de Lubicz penso que entenderemos um pouco melhor a obra de António Telmo.
Sobre o significado de Esoterismo refere então Schwaller de Lubicz:

O Esoterismo não possui nada em comum com uma vontade de segredo, isto é, de um segredo convencional.
(...).
(...). A criptografia e o enigma, na composição de um texto sagrado, não têm senão por objectivo, o de acordar a atenção do leitor, acentuar um ou outro aspecto do texto, enfim, guiar na direcção do carácter esotérico. (...).
O esoterismo não pode ser escrito, nem dito, nem, por consequência, ser traído. É preciso estar preparado para o compreender, o ver, o entender – como o escolherdes. Esta preparação não é um Saber, mas um Poder, e não poderá senão adquirir-se pelo esforço da própria pessoa, por um combate contra os seus obstáculos e uma vitória sobre a sua natureza animal-humana.
Existe uma Ciência Sagrada, e após milénios, inumeráveis curiosos em vão tentaram procurar penetrar-lhe os "segredos". Era como se, com uma picareta, eles quisessem cavar um buraco no mar. A ferramenta deverá ser da mesma natureza da coisa em que se quer trabalhar. Só se encontra o Espírito através do Espírito, e o Esoterismo é o aspecto espiritual do Mundo, inacessível à inteligência cerebral.
(...).
O Iniciado verdadeiro poderá guiar um aluno dotado para lhe fazer percorrer o caminho da Consciência mais rapidamente, e o aluno, chegado às etapas da Iluminação pela sua própria Luz interior, lerá directamente o esoterismo de tal ensinamento. Ninguém o poderá fazer por ele.(2)

É uma obra complexa a sua – A Arte Poética (1964), História Secreta de Portugal (1977), Gramática Secreta da Língua Portuguesa (1981), Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões (1982), Filosofia e Kabbalah (1989), O Bateleur (1992), Horóscopo de Portugal e agora estes Contos – para só referenciar os livros publicados e passando por cima dos muitos artigos espalhados por importantes Revistas principalmente ligadas com a Cultura e a Língua Portuguesa, tais como as Revistas "57", "Leonardo", "Cultura Portuguesa", para só citar algumas.
Diz-nos Pinharanda Gomes no seu "Dicionário de Filosofia Portuguesa"(3)que:

O centenário do nascimento de Sampaio Bruno (1957) ficaria assinalado pelo aparecimento do jornal 57 que dimensionava a problemática da filosofia portuguesa em termos de movimento de intervenção social e cultural. O 57 reivindica uma genealogia espiritual (Aristóteles, a Bíblia, Dante, Conimbricenses, Hegel, Bruno, Leonardo Coimbra...) e congrega jovens pensadores todos eles, cada um a seu modo, destinados a uma presença consistente. Mencionando apenas os discípulos [de Álvaro Ribeiro ou José Marinho] da primeira geração, entre eles (...) António Telmo (filologia e simbologia) (...). O 57 tem um vector polemizante: quer suscitar o debate das ideias, e este debate provocará algum radicalismo, mas sem ele o movimento teria ficado fechado em si mesmo. (...).

É interessante referir que este jornal se insere num movimento de cultura portuguesa, cujos mentores e impulsionadores foram Álvaro Ribeiro, José Marinho, António Quadros, Afonso Botelho e Orlando Vitorino. Vejamos um pequeno excerto do «Manifesto de 57» publicado no seu primeiro número:

Nós somos solidários desses milhares de jovens indiferentes à cultura, que enchem os estádios, os cinemas e os cafés. Nós somos solidários dos que viraram as costas a esses brilhantes aparatos racionais e abstractos, os sistemas metafísicos; que viraram as costas às grandes promessas utópicas, brilhantes na sua argumentação falaciosa e desligadas das condições humanas e naturais quando não trans-naturais da realidade; que viraram as costas ao fogo de artifício lírico; que viraram as costas a todos os dogmatismos, contrários à simples prova de reflexão individual e buscando coarctá-la na sua liberdade interior; que viraram as costas a todas as formas da mentira, mesmo quando esta se reveste das aliciantes da beleza ou do bem comum.

Não nos podemos esquecer de que quando este «Manifesto» é escrito estamos em pleno Estado Novo e concerteza não seria fácil a qualquer movimento de libertação - cultural, filosófico, ou outro – transmitir e fazer valer a sua mensagem de "ruptura"...

Afinal toda a busca do Homem em geral e neste caso concreto, em particular, a busca de António Telmo, penso ser a da VERDADE. Agora: como procurar essa Verdade? como a descobrir e a desocultar? e como saber se a Verdade que encontrámos é a VERDADE que pensamos adivinhar no Arquétipo? Lembro-me continuamente aquela deliciosa história narrada por Almada Negreiros sobre a Verdade, escrito em 1921:

Eu tinha chegado tarde à escola. O mestre quis, por força, saber porquê. E eu tive que dizer: Mestre! quando saí de casa tomei um carro para vir mais depressa, mas, por infelicidade, diante do carro caiu um cavalo com um ataque que durou muito tempo.
O mestre zangou-se comigo: Não minta! diga a verdade!
E eu tive de dizer: Mestre! quando saí de casa... minha mãe tinha um irmão no estrangeiro e, por infelicidade, morreu ontem de repente e nós ficámos de luto carregado.
O mestre ainda se zangou mais comigo: Não minta! diga a verdade !!
E eu tive de dizer: Mestre! quando saí de casa... estava a pensar no irmão de minha mãe que está no estrangeiro há tantos anos, sem escrever. Ora isto ainda é pior do que se ele tivesse morrido de repente porque nós não sabemos se estamos de luto carregado ou não.
Então o mestre perdeu a cabeça comigo: Não minta, ouviu? Diga a verdade, já lho disse!
Fiquei muito tempo calado. De repente, não sei o que me passou pela cabeça que acreditei que o mestre queria efectivamente que lhe dissesse a verdade. E, criança como eu era, pus todo o peso do corpo em cima das pontas dos pés, e com o coração à solta confessei a verdade: Mestre! antes de chegar à Escola há uma casa que vende bonecas. Na montra estava uma boneca vestida de cor-de-rosa! Mestre! a boneca estava vestida de cor-de-rosa! A boneca tinha a pele de cera. Como as meninas! A boneca tinha tranças caídas. Como as meninas! A boneca tinha os dedos finos. Como as meninas! Mestre! A boneca tinha os dedos finos...(4)

A uma pergunta feita pela jornalista Antónia de Sousa(5): Qual a génese das ideias? Como nascem as ideias? Responde António Telmo muito simplesmente: «As ideias são comunicadas pelos anjos! Só que há quem as pense e quem as não pense. O pensamento é que é nosso.»

Já Agostinho da Silva se "queixava" que uns lhe chamavam heterodoxo, outros lhe chamavam ortodoxo, contudo o que ele realmente reivindicava era o estatuto de ser paradoxo, de viver no paradoxo...
Atentemos mais uma vez ao pensamento de António Telmo, desta feita através de uma entrevista à jornalista Antónia de Sousa:

(...).
António Telmo faz uma afirmação surpreendente: «Eu acho que os meus livros sabem mais do que eu. Muitas vezes, ao ler alguma coisa que escrevi, fico surpreendido perante o anúncio de um conhecimento e de uma sabedoria que eu não possuo e que tenho que aprofundar como qualquer outro leitor.»
Telmo não nos diz como é isso possível. Mas afirma-nos: «O Universo não é racionalista, nós é que o devemos ser. Aquilo porque me esforço sempre nos meus escritos é por pensar o irracional. Tornar racional o irracional. Na minha opinião, isto é o que me caracteriza e me distingue e julgo também que é o que suscita o interesse das pessoas. É uma vivência pessoal, mas é também o esforço de não perder a razão perante aquele mundo misterioso. Estou convencido de que toda a gente tem a experiência deste irracional, mas resolvem os conflitos de vários modos, Ou negando esse irracional, ficando preso aos limites de uma razão estreita, ou aceitando esse irracional e perdendo a razão.» Há porém, outra alternativa que é, segundo diz, a de «construir o Todo Completo, que é a verdadeira imagem do Real». E acrescenta: «No fundo, é por onde eu ando.»
(...).(6)

Penso ser isso que António Telmo realiza através da sua obra: trabalhar o paradoxo, trabalhar nos limiares da língua, do pensamento, das ideias, fornecendo-nos de certo modo a chave para entrarmos noutra dimensão que não a dimensão meramente analítica, normalizada, feita a esquadro. Desafia-nos a dar um passo em frente, a pegar no compasso e desta vez sair da rectilinearidade para nos embrenharmos numa circularidade de uma compreensão e de um pensamento mais abarcante, mais totalizante – «construir o Todo Completo, que é a verdadeira imagem do Real... no fundo é por onde eu ando.»(7)

Finalmente, gostaria de mais uma vez agradecer a António Telmo o facto de ter feito o favor de reencarnar nesta época, dando-nos o privilégio de com ele convivermos, conversarmos e partilharmos estas coisas tão extraordinárias que são as palavras e os pensamentos, complicadas in extremis por esta tramada idiossincrasia portuguesa.

Rui Arimateia



NOTAS:
1) Lello & Irmão Editores, Porto, 1976. Referência no Capítulo III –"Conceito de razão e formas da filosofia", na página 218.
2) R.A. Schwaller de Lubicz – PROPOS SUR ÉSOTÉRISME ET SYMBOLE, Col. 'Mystiques & Religions, Dervy-Livres, Paris, 1989 (págs. 9,11 e 12).
3) Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, página 109, artigo sobre a 'Filosofia Portuguesa'.
4) José de Almada Negreiros – POESIA, Col. 'Obras Completas', n.º4, Editorial Estampa, Lisboa, 1971 (pág. 179).
5) "DN magazine", 25 de Agosto de 1991, pág. 27.
6) Entrevista a Antónia de Sousa in "DN magazine", n.º 256, de 25 de Agosto de 1991 (pág.27).
7) Idem